gente da noite....

2012 tivemos o centenário do Gonzagão. Este ano, o de Lupi. E ano que vem um outro grande músico, pouco conhecido de muita gente, fará seu centenário. Estou falando em Túlio Piva. Túlio Piva é tão importante para o samba e a MPG quanto Adoniran Barbosa o foi para o samba paulistano, e Caymmi para a música praieira de Salvador. No entanto, tirando o Fernando Pereira (meu atual mestre de violão), o meu pai, o tio Basílio Zadra e outros gatos pingados, conheço pouca gente que conhece seu trabalho de forma digna.

Daí os mais novinhos e os mais incultos vão perguntar: o quéco? Bom Túlio não nasceu no morro, mas em Santiago do Boqueirão. É, a terra do cartunista homônimo. E Túlio tem muito a ver com minha memória afetiva de músico, pois um de seus principais parceiros foi o meu primeiro professor de violão, o Lúcio do Cavaquinho...é, meninos, tive aula com a lenda, que me ensinou a dividir a mão direita com o samba no violão, e a curtir a baixaria, mas isso é outra blogada! Túlio tinha um estilo único de dedilhar o violão. Fazia samba com sotaque gaúcho, misturando suas influências fronteiriças com o tango e o samba de morro carioca.

Assim como eu, o vínculo de Túlio com as ciências da saúde é um fato importante,. Ele era prático em Farmácia, e dividia o balcão com a boemia. Para quem cantou os morros e boêmios como um portoalegrense nativo, Túlio enganava muito bem, pareciam as palavras de alguém criado na Glória, na Caldre Fião, na Ilhota (hoje parte da Cidade Baixa), redutos do samba em Porto Alegre. Na verdade, ele começou a morar aqui desde 1955... nada mal pro cara de Santiago! No entanto, o jeito de tocar e as linhas melódicas remetiam ao tango, aos ritmos fronteiriços, dando uma cara bem original e interessante ao seu samba.

Seu estabelecimento farmacêutico, a Drogaria Piva, ficava na Rua da Praia com a Dr. Flores, bem no Centrão de Porto. Em pouco tempo, ali seria um ponto de encontro vespertino da boemia da terra e de fora também. Naquela época, era comum cantores de renome viajarem pelo país atrás de músicas inéditas pra gravar. Gente do peso de Elza Soares, Noite Ilustrada e outras lendas do samba dos anos 50 gravaram músicas do tio da farmácia. Os Demônios da Garoa e Elis Regina também vieram a gravar composições do seu Túlio da Farmácia Piva. Em 68, foi o grande vitorioso do II Festival Sul-Brasileiro da Canção Popular, com Pandeiro de Prata (ele nasceu no morro, não sabe nem em que data, até pensava que a Lua pendurada no céu fosse um pandeiro de prata...), na etapa regional. Merecido sucesso!

Pois o Túlio Piva e o professor Lúcio foram as mentes por trás de dois botecos que hoje não fariam feio por aqui, os saudosos Gente da Noite e o Pandeiro de Prata, ali na bairro Cidade Baixa. Muito sucesso, pouco dinheiro, muito samba composto, gerentes FDP mexendo de forma sacana no dinheiro, deu o que deu. "Mas que importa que o mundo traga dissabores, ele tem o samba pra aliviar as dores", diria o próprio poeta. 500 sambas. Netos, filhos da única filha, Vera, que estrearam no espaço do avô, hoje grandes músicos, um cantor e um bandolinista de mão cheia.


Túlio, por ser um paizão de família, não quis arriscar vôos para Rio ou Sampa. Poderia ser tão grande quanto Braguinha, Herivelto Martins e outros. Ficou pela cidade, que já estava enorme para o farmacêutico de Santiago, tinha a esposa, a filha, depois os netos, sempre os amigos. Viveu e morreu cercado pelos seus, pela família, pelos amigos de noite. Infelizmente, o tumor de próstata que fez chorar de saudades seus admiradores o levou para o botecão de São Pedro. Hoje, Túlio dá nome ao Teatro de Câmara de seu bairro boêmio, a Cidade Baixa.

Tão grande quanto Lupi, ao contrário do compositor do Hino do Grêmio, Túlio não dedicava tantas canções às dores de amores e chifres adquiridos. Cantava o samba, os boêmios e boêmias da Cidade Baixa, dos morros de Porto Alegre, o Cruzeiro de Porto Alegre (time aliás que teve em seu elenco um tal de Diogo Nogueira...), a gente da noite, que não liga preconceito, e que tem estrelas na alma e a lua, pandeiro de prata, dentro do seu peito.

Valeu, Túlio! Parabéns pelo centenário! Manda um abraço pro Lúcio!!!



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