Chico e Cacá...

Tem figuras públicas que meio que se tornam parte da família da gente. Um ídolo, das artes, dos esportes, da vida pública, tanto nos chega pela mídia em geral, que nos tornamos meio íntimos, em via única, claro, mas próximos.

É o caso daquele que foi chamado de "unanimidade nacional" uma vez. Chico Buarque é assim. O pessoal mais velho lembra dele garotão, cantando "A Banda" com a Nara Leão, ou de sua saída para exílio na Itália, sua volta, os bloqueios que sofreu por parte da mídia nos anos 70, o inesquecível programa com entrevista de Xênia Bier para a Bandeirantes (quando ainda não era só Band), os discos, as peças... Tenho até hoje um autógrafo dele, em uma folha de caderno, guardadão na capa de um velho vinil.

E estamos no século XXI. Em tempos de intolerância e truculência, algo semelhante ao "tempo da maldade" de João e Maria, Chico Buarque foi cercado na noite da última segunda-feira (dia 21) no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, por um grupo de jovens que se declararam ‘antipetistas’. O cantor e compositor tem posições políticas claras, sempre foi assumidamente de esquerda. É uma das principais vozes a defender o Partido dos Trabalhadores (PT) de virar o sparring da mídia, sempre com clareza, coerência e espírito público. Pois o Chico saía de um jantar no restaurante Sushi Leblon, acompanhado do cineasta Cacá Diegues e do escritor e jornalista Eric Napomuceno. Entre os agressores que abordaram o ícone da MPB estava o filho de Alvaro Garnero, empresário paulista. Herdeiro de uma família tradicional, Alvaro se filiou ao PRB e cogitou ser candidato a deputado federal.

Um dos jovens vociferou, em um jargão quase neanderthalês: “Petista, vá morar em Paris. O PT é bandido”. Em resposta, Chico diz, em seu tom de voz habitualmente controlado: “Eu acho que o PSDB é bandido, e aí?”. Apesar da agressividade dos jovens, que beiravam o babar na gola e espumar pela boca, Chico permaneceu calmo e ironizou a posição política do grupo, dizendo que “com base na revista Veja, não dá para se informar”. Um dos agressores, então, replicou: “A minha opinião é a minha opinião”. O grande cineasta Cacá Diegues, atônito, declarou que "desde a ditadura não vivia algo semelhante". O rapper Túlio Dek, um dos agressores, afirmou, em sua "sapiência", que "petista é igual a merda". Para mim, quem não sabe dialogar, ou quem prefere bater primeiro sem conversar com o contraditório, é que está mais assemelhado ao que vai pelos esgotos...

E os tempos obscuros marcham pelo calendário. O tempo da delicadeza, cantado por Chico, parece cada vez mais utópico diante de cães raivosos apoiando um derrotado nas urnas que esperneia para ser o califa no lugar da califa. O tempo da delicadeza se esvai quando um governador manda os servidores tomarem empréstimos para receber o décimo-terceiro salário. O tempo da delicadeza evapora, quando, ao invés da tietagem educada e cheia de carinho, mandris alucinados cercam dois gigantes da cultura brasileira, hostilizando-os por não pensarem como seus gurus da InVeja ou da Grobio. É pecado desejar que pobre tenha vez, que o racismo seja criminalizado... É pecado, em tempos coxinhas, gostar da cultura brasileira verdadeira, aquela que fez trincheira contra os gorilescos censores. É pecado um artista ir a Paris, às suas próprias custas, isso só para os bem nascidos e ricos... É errado ser de esquerda, em tempos doentes de clones de Hitler ocupando lugar na Câmara e Senado...

Chico e Cacá são muito maiores que os mentecaptos microcéfalos que os abordaram...deles, nojo, pena e distância!


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