desgarrados

1984. Faz um tempo a época em que eu tinha dezoito anos, com certeza. Já começava a tocar violão, de uma forma até interessante. Começava a montar repertórios, aprender acordes e cadências, essas coisas que a gente faz quando começa a ter coragem de dizer que toca um instrumento.

Pois nessa época, quando eu era jovem de corpo (de alma sou até hoje, poxa!) e membro da Igreja Metodista com uma tesão adolescente, foi agendado um Encontro Nacional de jovens, em São Bernardo do Campo.

Pensa.

Um encontro desses, em SBC, se daria em plena transição democrática, quando o Diretas Já era palavra de ordem. Nessa época, um certo Partido dos Trabalhadores aparecia na cena política brasileira, sob o olhar ainda meio que desconfiado dos velhos comunistas brasileiros e do Brasil. Nessa época, a Teologia da Libertação tinha seus fervorosos apoiadores, em todas as denominações. Nessa época em que ainda haviam festivais de MPB e a própria Igreja Metodista fomentava seu FEMUSA, ideia clonada explicitamente das Califórnias da Canção Nativa  de Uruguaiana, com sucesso enquanto durou.

Pois veio o desafio para um bando de duros: como ir pra lá?

Uma expressiva parte dessa galera tinha, ou acreditava ter, pendores artísticos musicais de qualidade. E veio a ideia de fazer uma apresentação. Onde? Em um tempo no qual a Igreja Metodista era comandada, na Segunda Região Eclesiástica, pelo saudoso (e bota saudoso nisso) bispo Isac Alberto Rodrigues Aço, era relativamente simples conseguir permissão para uso do palco do IPA. É, lá onde vocês estão pensando. Na época, o Colégio IPA estava a todo vapor, com eventos musicais bem interessantes, e o curso de Educação Física, mais antigo, e as jovens faculdades de Fisioterapia e Terapia Ocupacional diziam a que vinham.

Nessa ocasião, coube a mim tocar "Desgarrados", de Mário Barbará e Sérgio Napp. Arranjo que hoje considero simples, em C, harmonia tranquila para quem iniciava a coisa pelo braço do violão. Nada mau... O nervosismo superado. Ah, conseguimos um valor para subsidiar o ônibus fretado!

Mas veio o tempo...veio a vida, vieram as histórias, as páginas viradas, os encontros e as despedidas...E veio a manhã de dois de maio de 2018. Algo impensável para o gurizão de 1984, tanta distância no tempo... E a notícia triste. O câncer derrotou Mário Barbará. Levou pra perto do Criador aquele que denunciava as mazelas sociais em suas canções, sempre com letras bem estruturadas e harmonias belas... Levou aquele que teve a alegria de ver seu trabalho num DVD e homenagens merecidas ao final da jornada.

Para mim, fica o momento de reflexão. Em uma época em que o país não vive mais o Diretas Já, mas se dicotomiza entre o pessoal que bota fé no sonho oriundo do final dos anos 70, início dos 80, e aquelas pessoas da sala de jantar, preocupadas em nascer e morrer. O país, cujo imenso patrimônio imaterial chamado MPB sofre golpes midiáticos desleais, com uma descarga de lixo cultural de fazer inveja à Sbornia. Várias perdas. E eles se encontram, cada vez mais, no cais do porto, nas calçadas, fazendo biscates, ventos desgarrados carregados de saudade. Qual o negrinho só, num galope, em um cavalo de assombração, risca, chispa na escuridão...quem pensa que viu, não viu, quem viu, duvida que viu.

Licença pra ir chorar lá fora, pessoal....

Comentários

  1. Filho, acompanhei a longa entrevista da Gaúcha, sobre a vida e obra do Mário Barbará. Inclusive sobre as homenagens que estavam programando para seu funeral. A arte é uma das maneiras mais lindas de preservação da memória de uma pessoa. Arte em suas diversas manifestações, no que incluo coisas como a "ARTE" do Ayrton Senna, recentemente homenageado com moeda na Inglaterra, pelo que li. É uma pena, mas a Ana Vilella foi muito feliz ao poetar... "que a vida é trem bala, parceiro, e a gente é só passageiro prestes a partir".

    Já é uma vitória, na vida, alguém ser tão homenageado e receber tantas declarações de reconhecimento e do mais puro amor, quando de sua partida.

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