A Garota Dinamarquesa – analisando o filme
O estímulo
de assistir o filme veio da professora e amigona Margareth Simionato. É uma
obra forte, densa, bela. A narrativa do filme se inicia na Copenhagen
da década de 1920. A pintora dinamarquesa Greta Wegener precisava
finalizar o retrato da cantora Anna Fonsmark, que acabara de cancelar
a sessão por causa de um ensaio. Ela então pediu ao marido, o
também pintor Einar Wegener um pequeno favor: que vestisse as meias
e os sapatos da retratada. Numa mistura de susto e excitação,
Einar, depois de rogar por segredo, relaxou e começou a puxar a meia
por cima da panturrilha. Nesse dia, ano de 1925, nascia Lili Elbe
(“como o rio Elba”), a princípio vista como uma espécie de
alter ego feminino do pintor. O que começou como mera solução para
findar um trabalho acabou se tornando uma rotina para o casal: Einar
passa a se vestir cada vez mais como Lili, por quem Greta se vê, num
primeiro momento, estranhamente atraída. É uma história de amor
surpreendente entre uma mulher brilhante, generosa e (muito) à
frente do seu tempo, e um homem que ousou seguir o seu desejo mais
profundo, permitindo que Lilli “saísse do armário”. A garota
dinamarquesa foi adaptado para o cinema a partir do livro
homônimo, baseado nos diários de Lilli, com Eddie Redmayne e Alicia
Vikander no elenco.
A obra é
inspirada na história real do pintor dinamarquês Einar
Wegener/Lilli Elbe e sua esposa. O resultado é um romance
inquietante sobre uma inusitada e sincera história de amor e um
retrato de um dos primeiros transexuais a passar por uma cirurgia de
mudança de sexo no mundo. A pintura de Greta floresce tendo Lilli
por musa. Antes obscuro, o seu trabalho chama a atenção de um
conceituado marchand francês, e o casal se muda para Paris. Na
permissiva atmosfera do entre guerras, Lilli sente-se liberada,
tornando-se progressivamente o par de Greta em suas aparições
públicas, como uma “prima de Einar”. À medida que Einar
desaparece da lembrança, eles percebem que uma escolha terá de ser
feita. Greta conhece um cirurgião na Clínica Municipal Feminina de
Dresden disposto a tentar uma operação para mudança de sexo. Einar
vai à Alemanha para se tornar, de uma vez por todas a Lili Elbe que
imaginara.
A garota
dinamarquesa retrata uma quase esquecida história de amor entre
um homem que descobre sua verdadeira condição de gênero, seus
conflitos íntimos, sua angústia e alegria, e de uma mulher que,
diante dos fatos, acaba disposta a sacrificar as conveniências por
ele, tendo como pano de fundo o glamour e a decadência da Europa das
décadas de 1920 e 1930. Trama ousada, inquietante, narrada com
elegância e sutileza únicas.
Lili
Elbe (1882-1931) é conhecida por
ser uma das primeiras pessoas transgênero a
fazer a cirurgia de mudança de sexo. Ela entrou para a História da
Medicina por se submeter a um procedimento que, naquela época, o ano
de 1930, era extremamente primitivo. A ciência não estava preparada
para Lilli. Meses após a segunda (na vida real, a quarta) e última
cirurgia em dois anos, que envolvia o transplante de um útero
(implícito no filme) - ela e seu parceiro, o comerciante de arte
Claude Lejeune (com quem é apresentado , no filme, como uma espécie
de triângulo amoroso com Greta), queriam ter filhos e se casar -, a
corajosa Lili morreu.
Fica clara a
situação de violência a qual a personagem Lilli é submetida.
Violência física dos bullies franceses, violência
institucionalizada em cima dos médicos e profissionais de saúde que
lhe diagnosticaram problema de saúde mental, a própria intervenção
cirúrgica experimental, com remoção de genitália masculina e
implícita redesignação genital. Na biografia de Lilli, publicada
como The Danish girl, convertida para filme por Tom Hooper, é
esclarecido que foi tentado um inusitado e arriscado transplante de
aparelho reprodutor feminino, incluindo vagina, ovários e útero.
Como previsível, além do trauma cirúrgico pela reacomodação
pélvica de tal aparato de órgãos, com um considerável volume de
tecidos, realocação vascular e nervosa, etc, ainda há que se
considerar que não haviam bloqueadores imunológicos adequados para
transplantes na época. Ou seja, o fato de Lilli buscar uma “cura”,
e não uma aceitação, de forma praticamente suicida, reflete uma
internalização de toda a violência que sofreu ao longo de sua
vida.
A cena das
meias, onde Lilli começa a “sair do armário” é um início da
redenção e descoberta do feminino em Eimar, do questionamento da
sua persona, de sua identidade de gênero. Como lemos nos outros
materiais, infelizmente há uma con-fusão do papel masculino com a
coisa da violência. Aí, toda violência, seja da sociedade em
geral, dos médicos, do tratar como quadro de esquizofrenia a
situação de transsexualidade, vem à tona.
Fica claro
que havia uma situação discriminatória quanto à Lilli. De certa
forma, ao negar ao seu affair o toque em sua genitália, ela
mesma se auto-discrimina, por negar a si o ato afetivo e prazeroso. A
ação dos bullies em Paris é tão violenta quanto qualquer
ato que levasse Lilli a não ser aceita. A imagem do homossexual, da
homossexual, na época, era vista com severo preconceito, com o
estigma social. Aliás, na prática, em que pesem as interessantes e
necessárias políticas afirmativas, ainda utiliza-se, para fins
ofensivos, toda sorte de sinônimos de “homossexual”. Será que
mudou tanto assim?
Ah, o filme
recebeu Oscar para a atuação de Alicia Vikander pelo papel de
Greta.Eis o link do filme. Assista. Reflita. Emocione-se.
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