Morcego, piada, resiliência e outras viagens

Ontem fomos assistir A piada mortal, adaptação para desenho animado da DC Comics, baseada na graphic novel de Brian Bolland e Alan Moore. O gibi foi publicado em 1988, e desde então tem sido sempre reeditado. A historinha tem três tramas, basicamente. Um prelúdio, onde a ainda Batgirl Barbara Gordon embolacha um mafioso de uma família de criminosos de Gotham, além de ter perpetrado com o morcegão uma das mais interessantes cenas de sexo implícito jamais vistas num desenho animado. Bom, se é implícito, pressuponho que não se viu "nada" mesmo, só o "vem cá meu morcego que Babs deu em Bruce... 

Num segundo momento, depois que Barbara pendura a capa e passa a ter sua vida civil cotidiana, ocorre o ataque do Coringa, que havia fugido do Asilo Arkham, para atacar os Gordon. O comissário leva uma surra dos capangas do palhaço, que havia disparado um tiro à queima-roupa em Barbara, provavelmente no meio da região lombar, deixando-a paraplégica. Não contente, o Coringa despe e fotografa a ex-Batgirl baleada, o que por si só se caracteriza em violência sexual. A cena deixa implícito, sugere um ato de estupro, após o "um brinde ao crime" do vilão, que desabotoa a camisa de Babs. Em tempos de discutir e condenar a "cultura do estupro", relembro que falo agora de um texto que tem quase trinta anos, e já levantava essa bandeira lá atrás, a cada vez que se discutia o denso trabalho de Alan Moore. Cenas de machismo e misoginia explícitas e escancaradas, pelo gatilho do palhaço do crime.

Ah, lembro a vocês que falo do Coringa, não o bobão maquiado vivido pelo grande ator e bailarino Cesar Romero, com o seu orgulhoso bigodão hispano-americano emplastado de maquiagem no seriado dos anos 60 (recusou-se a raspá-lo para o personagem, na época), mas um sujeito que matou o segundo Robin a pé de cabra e assassinou a tiros, em uma outra história, a policial Sarah Essen-Gordon, esposa do comissário. A cena é forte, a imagem das fotos é fortíssima. Ver o comissário Gordon despido num parque de diversões arruinado, açoitado pelos acólitos do Coringa, é revoltante, cena forte, tanto no gibi quanto no desenho. No entanto, o próprio comissário não se permite o colapso de sua psique, mantendo o equilíbrio enquanto a tempestade varria sua mente e a dor fustigava seu corpo.


Numa trama paralela, é mostrada uma versão da origem do Coringa. Novamente, não sabemos o nome dele. No filme e no gibi, ele é descrito como um comediante fracassado que aceita ajudar um grupo de criminosos num roubo. A esposa do futuro Coringa está grávida, e morre num curto-circuito. O assalto é impedido pelos seguranças da empresa e pelo próprio Batman, que, ao aparecer, deixa o ex-comediante atônito, caindo num tanque de efluentes, alterando a pigmentação da pele, cabelo e lábios, mantendo aquele sorriso doentio nos lábios, devido à contração involuntária da musculatura mímica facial


A história é densa, tanto no original quanto na tela. Mas tem seus recadinhos interessantes. Pra condimentar a discussão do assunto, evoco o conceito de Resiliência. Estamos falando na capacidade de lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas. O texto lança luzes para um verdadeiro tratado sobre a resiliência. Nas palavras da dra. Andrea Letamendi, psicóloga, consultora da editora DC Comics e aficionada em gibis, "Batgirl/Barbara experimenta feridas psicológicas e físicas e, nos quadrinhos, a vemos se recuperando de ambas: ela faz reabilitação física, mas também tem sessões de terapia em que uma psicóloga a questiona sobre o que sente ao ser atacada e como se sentiu ao ser física e pessoalmente violentada". Aliás, em um gibi de 2013, a psicóloga de Barbara é a própria dra. Letamendi, homenageada pela amiga e escritora Gail Simone. A "volta por cima", ou a resiliência dita de forma bem ranzoliniana, é experimentada por Barbara. Ao final do filme, as cenas apontam para a reinvenção da personagem, de forma orgulhosa e inteligente. Quem leu, sabe...

Fica a dica: dá para baixar pela internet a historinha, ou buscar na locadora, ou na loja, o DVD da animação. Garantia de muitas horas de pensamento e discussões interessantes sobre os vários subtemas e discursos ocultos na trama. Atiçando a curiosidade, eis o trailer do desenho!

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