sobre o grande Raul Ellwanger e seu Pealo de Sangue



Raul Moura Ellwanger nasceu em Porto Alegre, em 17/11/47. O compositor, cantor e violonista iniciou sua carreira artística em 1966, no circuito universitário de Porto Alegre. Na época, as manifestações musicais daqui se espelhavam no movimento dos festivais do centro do país, como o da Record. Em 1968 era estudante de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e trabalhava como estagiário no escritório de advocacia de Afrânio e Carlos Araújo (ele mesmo, o ex-marido da presidenta golpeada da República). Desde essa época, Raul era um dos articuladores da Frente Gaúcha da Música Popular, que viria a ser chamado de MPG nos anos 80. Dessa época, veio sua participação no festival da TV Excelsior, no Rio de Janeiro, com a composição O gaúcho, finalista no evento em 1968. Em anos de chumbo, a provocativa letra dedicava à ditadura de plantão: "pros milicos trago estrago, pro inimigo outro balaço...”.
Raul Ellwanger logo identificou-se com grupos que, mais tarde, viriam a formar a Vanguarda Armada Revolucionária. Nesse contexto, participou da reunião em que a VAR rachou, com consequente criação da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, na qual permaneceu. Em 1969, por suas ligações políticas, o cantor gaúcho não pôde se apresentar no palco do V Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Naquele evento, Paulinho da Viola conquistou o primeiro lugar com Sinal Fechado (mais tarde, a canção foi gravada por Chico Buarque, dando nome a um de seus discos nos anos 70)
Com o endurecimento do regime, foi condenado pela nefanda Lei de Segurança Nacional por sua militância em organização proibida, passando à vida na clandestinidade. Mudou-se para o Rio de Janeiro e com a prisão de dirigentes da VAR-Palmares, partiu para o exílio no Chile, em 1970. Ali estudou Sociologia na Universidad Concepción, em Concepción por um ano, depois se mudando para Santiago do Chile. Além da ajuda da família, contava com recursos advindos de aulas de violão e de traduções de artigos de sociologia que fazia para a revista da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), onde um de seus amigos mais próximos, Roberto Heinz Metzger, era diretor gráfico. Morava com sua companheira Eliana (Nana) Chaves e a família de Roberto Metzger num pequeno apartamento, quando outro revés político ocorreu em sua vida: o pinochetazo, golpe de 11/09/73 contra Salvador Allende. Os moradores do apartamento se dispersaram e ele passou a viver na Argentina, em 1973.
Em Buenos Aires reencontrou Nana e, depois de dois meses, reviu Roberto Metzger, a quem ele procurara no Estádio Nacional e que passava pela Argentina rumo à França. Foi a Roberto e seu filho que compôs a belíssima Pequeno Exilado, que gravou com Elis Regina. No exílio escreveu diversas canções, além de Pequeno exilado e Te Procuro Lá, esta a partir da letra do também exilado Ferreira Gullar.
Voltou para o Brasil em 1979, quando lançou seu primeiro disco, Teimoso e Vivo (1979), com a participação de artistas do primeiro time: Wagner Tiso, Zé Gomes, Jerônimo Jardim... É nesse trabalho que faz a gravação antológica de Pealo de Sangue, com Nana Chaves dividindo os vocais. O arranjo de Zé Gomes traz uma atmosfera nostálgica, de alguém que amargou o exílio, viveu o tenso momento do golpe chileno e somente voltou ao Brasil ao prescreverem as acusações que o regime militar lhe impingira.
Desde seu efetivo retorno ao país, Raul Ellwanger atua ativamente no cenário musical local, brasileiro e internacional, gravando outros discos, trabalhando em parcerias com músicos destacados, organizando eventos musicais, compondo trilhas sonoras para telenovelas, filmes e peças, recebendo vários prêmios. Participou da produção e gravação do antológico Paralelo 30 com Bebeto Alves, Carlinhos Hartlieb e outros grandes músicos da cena porto-alegrense dos anos 70, Na sua discografia se encontram também discos Raul Ellwanger (1980), Gaudério (1984), Portuñol (1985), Luar (1992), La cuca del hombre (1984), Boa-Maré (2004) e Ouro e Barro (2007). 
Como compositor de música para a TV criou o tema principal e a trilha sonora original da novela O Meu Pé de Laranja Lima (TV Bandeirantes), e teve músicas incluídas nas telenovelas Sinhá Moça (TV Globo) e Um Homem Muito Especial, Cavalo Amarelo e Pé de Vento, todas da TV Bandeirantes. Para o teatro compôs as trilhas sonoras das peças Em farrapos e Quarto poder, ambas de Delmar Marques.
Entre suas canções mais conhecidas está Pealo de Sangue, com 30 gravações em cinco países e quatro idiomas. Pealo de Sangue foi apontada, em votação pública organizada pela RBS, como uma das dez melhores músicas da história do estado.
Já gravaram composições suas intérpretes como Elis Regina, Mercedes Sosa, Renato Borghetti, Beth Carvalho, Paulinho Tapajós, Cenair Maicá, além da dupla Pena Branca e Xavantinho. Recebeu o Prêmio Selection Radio France International em 1992, e o Prêmio Açorianos da Prefeitura de Porto Alegre. Participou de eventos como a Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana (Canto da Roda) e do Musicanto de Santa Rosa (Quero te ver, liberdade).
Sobre Pealo de Sangue, que fez parte de Teimoso e vivo, há muito mais o que contar. Na gravação original, Pealo conta com arranjos de Zé Gomes e é interpretada pelo autor e por Nana Chaves, hoje separada de Raul e com sólida carreira como psicóloga clínica e psicanalista. A mesma música reapareceu em vários discos, regravada pelo próprio Raul por duas vezes, uma com participação de luxo de La Negra Mercedes Sosa. Raul lembra que a música ficou muito conhecida “a partir de uma publicidade que teve de fim de ano, que foi muito bacana”. Mesmo sem ter uma característica comercial, a canção, “a partir daí, ganhou autonomia” e conquistou corações. É, sem dúvida, a música mais esperada nos shows de Raul. Lançada pouco depois da volta do exílio, Pealo de Sangue parece expressar as dúvidas carregadas pelo compositor e por sua geração: “que mistérios trago no peito? Que tristezas guardo comigo?”.
Parece, ainda, revelar a importância das raízes das quais ele teve que se manter separado, tristemente, por uma década: “se meu canto é colono, é gaúcho/ lá no campo é que encontro abrigo”. Na letra da canção pode-se, ainda, ler o desejo de alcançar coisas que pareciam bem simples, mas que se perdiam e se perderam no horizonte: “quero só um pedaço de terra/ um ranchinho de Santa Fé/ milho verde, feijão, laranjeira/ lambari cutucando no pé/ noite alta um luzeiro alumian­do/ um gaúcho sonhando de pé”.
Chama a atenção o uso do “só”. Certamente a partícula é indicativa de que o que estava sendo buscado era “apenas” o que era considerado “de direito”, o básico do básico para viver. A perspectiva da luta e a dimensão da utopia estão bem presentes na letra da canção: “Quando será esse meu sonho? Sei que um dia será novo dia, brotando em meu coração. Quem viver saberá que é possível, quem lutar ganhará seu quinhão”. Assim seja, mestre Raul!!! 
PS: para conhecer e curtir mais ainda, siga os links:


https://www.youtube.com/watch?v=j_ZwtbuOVUs (gravação de Canto da Roda, no álbum da 9a Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana)
https://www.youtube.com/watch?v=Q8l6NA3JqtA (outra de festival, Quero te ver, Liberdade, do I Musicanto de Santa Rosa)
https://www.youtube.com/watch?v=GpJp31_otag (Coração Catarina, lindo tema de uma telenovela da Band)
https://www.youtube.com/watch?v=hEra0JvnSLw (Eu só peço a Deus, versão de León Gieco, belíssima)
https://www.youtube.com/watch?v=xPl8UgUOZk4 (Pequeno Exilado, com Elis Regina...sublime!)
 


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