Johann Sebastian e João Gilberto
- O autor
A
presente resenha foi escrita para a disciplina de História da Música
I, ministrada pelo prof. Ms. Ayres Estima Pothoff no curso de Música
do Centro Universitário Metodista IPA, em Porto Alegre. Achei legal
a ideia de repartir com todos e todas o texto, que, modéstia às
favas, ficou bem legível.
O
texto é baseado em um capítulo do livro de Celso Loureiro Chaves
”Memórias do Pierrô Lunar”, de 2006. O prof. dr. Celso Loureiro
Chaves é graduado em Composição pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, e é doutor pela University of Illinois. Trabalhou
no Departamento de Assuntos Culturais da antiga SEC, na RBS e, desde
1977, é docente na Universidade Federal. Influenciado por Armando
Albuquerque, sua obra de compositor e de escritor reflete sua
formação. De sua autoria, Uma ideia de café resgata a
obrado mestre Armando Albuquerque para piano. Memórias de um
Pierrô Lunar, de 2006, foi lançado com uma coletânea de textos
seus, onde desdobra-se em temas como os compositores da primeira
metade do século XX (Bartók, Stravinsky, Weill), a música
brasileira e seus debates entre tradição e modernidade. Ali, ensaia
encontros inusitados,revelando afinidades inesperadas entre
compositores como Noel Rosa e Gershwin,e entre João Gilberto e
JSBach. Sobre este encontro, iremos comentar o texto de Chaves.
- A obra
O
texto, como falei anteriormente, faz parte de ”Memórias do Pierrô
Lunar”, de 2006. Ali, Chaves nos traz à tona as similaridades e
pontos de contato entre a trajetória dos dois geniais músicos.
JSBach, falecido há mais de 250 anos, é referência absoluta no
contraponto, fuga e outras formas invariavelmente ligadas a sua
produção musical extremamente qualificada. João Gilberto é
referência fundamental na Música Popular Brasileira, e, ousando,
mundial, ao reinventar o jeito de tocar o samba, criando o padrão
rítmico violonístico da Bossa Nova. Aliado a essa característica
rítmica, uma voz quase sussurrada, matematicamente colocada nota a
nota e as harmonias intrincadas fazem dos registros fonográficos de
João Gilberto um fingerprint bem característico.
Em
seu texto, Chaves reflete sobre o contraditório nas obras dos
mestres. Ambos tiveram seu "tempo" delimitado. Bach teria
caído, para alguns, em um certo desconhecimento pouco após sua
morte. Organista celebrado, era um compositor pouco compreendido,
assim como o baiano de voz baixinha, que ousou sussurrar numa era de
Caubys, Sinatras e seus vozeirões. Ambos sofisticados, detalhistas,
minuciosos.
Há
um certo mito do “esquecimento” de Bach após sua morte. De fato,
contrariando o senso comum, no início do século XIX entusiastas
alemães fizeram forte resgate de suas obras. Realmente a maior parte
de sua massiva produção desapareceu de vista junto com o
compositor, mas de diversos modos sua memória permaneceu e pôde ser
transmitida à posteridade imediata. Vários de seus filhos se
tornaram compositores reputados, e embora em sua maioria tivessem
adotado outras estéticas, mantiveram o nome do velho Bach em
evidência. Carl Philipp Bach regeu apresentações de algumas peças
vocais do pai a partir de 1768, incluindo o Credo da Missa
em si menor, e Wilhelm Friedemann Bach fez o mesmo, com ainda
maior assiduidade, ambos encontrando boa resposta do público. Seus
muitos alunos também contribuíram legando às gerações seguintes
sua metodologia de ensino e com ela suas peças didáticas para
teclado, como o Cravo, as Invenções e outras.
João
Gilberto influenciou toda uma geração de violonistas e intérpretes.
Citar Chico Buarque, aliás, seu cunhado por certo período, ajuda a
resumir o rol de pessoas que tiveram os olhares lançados ao violão
naquele período histórico por influência de João. No exterior,
muitos compositores foram igualmente influenciados pelo toque
sofisticado de João, as harmonias rebuscadas, a mão direita única.
Caetano Veloso, Gilberto Gil, vários compositores dos anos 1960
tiveram o olhar voltado para o violão por influência do toque
sofisticado de JG.
É
difícil encontrar na História da Música algum movimento que é
atribuído a um nome. João Gilberto fez isso com a bossa nova. Ele É
a bossa, a bossa É João. Apesar da grande importância de Tom
Jobim, Roberto Menescal e outros ao movimento, João deu a forma, a
possibilidade, a estética. Tom Jobim já era um grande compositor e
arranjador antes de João. Entretanto, João também desmontou e
reconstruiu Jobim, que assimilou a técnica de João e mudou o jeito
de compor e de arranjar, tendo as mais diversas possibilidades
criadas. Há que discutir se a bossa nova é um movimento ou um
estilo, um momento do jazz ou um capítulo da música popular
brasileira. O que se sabe, somente, que ela reflete João Gilberto.
Bach
também marcou influência em vários autores. Para citar apenas dois
brasileiros, fico com as Bachianas Brasileiras de Villa Lobos e as
Bachianinhas de Paulinho Nogueira, mestre violonista.
Há
que considerar que ouvir peças de Bach e áudios de João Gilberto
nos trazem sensações auditivas similares de “dejá-vu”. João
Gilberto é capaz de dar ares similares a “Me chama” de Lobão e
a “Chega de Saudade”. Tanto João quanto Bach, enquanto obra,nos
soam clássicos, antigos, permanentes mas fixados temporalmente.
Influentes, com certeza. Reproduzidos, talvez por aficionados, ou
pelo valor indubitável para a História da Música. Não são
atuais. São retratos de um fazer musical que marcou, marca, fez e
faz escola. Você pode não sentar ao violão para compor
gilbertianamente, nem sair fazendo fugas ao piano. No entanto, eles
fizeram sua marca, seu legado. Isso é eterno.
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