quando você foi embora....

Desde que comecei a me interessar por música, um dos principais motores de minha sede por MPBdaB era o Clube de Esquina mineiro. Aliás, sobre esse tema, o mestre, maestro e amigo Paulo Dorfman me declarou outro dia “o mais mineiro dos gaúchos”, pelo meu apego à fabulosa produção daquela galera. Um dos principais poetas-letristas dessa safra de gênios era Fernando Brant. Infelizmente, desde sexta-feira ele não está mais neste nosso plano da existência...

Fernando, nascido Fernando Rocha Brant nasceu em Caldas, MG, em 09 de outubro de 1946. Filho de pais mineiros, aos cinco anos mudou-se para Diamantina e, aos 10, foi para Belo Horizonte onde passou o resto de sua infância e adolescência. Aliás, como bom mineiro, buscou aquela formação superior, se graduando em Direito pela UFMG. Seu envolvimento com música e literatura aumentou quando cursava a faculdade de Direito. Nessa época, conseguiu seu primeiro emprego, como escrivão do Juizado de Menores. Também atuou como repórter da sucursal mineira da revista "O Cruzeiro", em 1969. No entanto, antes disso, lá no início dos anos 60, conheceu o amigo Milton Nascimento. Aí começou...

Em 1967, Milton conseguiu convencer o então hesitante Brant a escrever sua primeira letra. Em um pedacinho de papel, escrita meio no abafa, movida à cervejinha noturna, na mesa da padaria São José, em Belo Horizonte. As palavras de Fernando, para Bituca, não o dissuadiram. “Você está louco, eu não mexo com isso não, rapaz”, “eu nunca mexi com isso, sou teu amigo, eu gosto, mas não sei mexer com isso não, nunca escrevi nada”, “mas, e se ficar ruim?” O papel na mão do ainda não sabido compositor, que não tirava o papel da mão, e Milton perguntando a ele o que era aquilo e ele falou “não é nada não”. Uma hora Bituca falou: “Fernando, ou você guarda esse papel ou deixa eu ver.” Ele deu. Deu também um acesso de dor de barriga, pois foi correndo pro banheiro, de vergonha. Quando ele voltou, era um compositor… e que compositor! Estrear com “Travessia” de primeira obra não é pra qualquer um!

O nome da música saiu de outro mineiro, Guimarães Rosa, mais exatamente no livro “Grande Sertão: Veredas”. Na obra, a última palavra é justamente “Travessia”. O próprio Milton explicaria a escolha: “O importante não é a saída, nem a chegada, mas a travessia”. A composição, no mesmo ano, ganhou o segundo lugar no II Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. Aliás, pouca gente lembra da primeira colocada daquele festival ("Margarida", uma marcha-canção do Guarabyra, aquele mesmo do Sá e do Zé Rodrix!!!), marcado pela interpretação de Milton para o sucesso da dupla.


Em 1967, participou do II Festival Nacional da Canção, da TV Globo, com três canções escritas em parceria com Milton Nascimento: "Morro velho" (linda toada de forte cunho social), "Maria minha fé" e, claro, "Travessia". Em 1968, haviam tomado gosto pela coisa. A dupla participou do IV Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, com a canção "Sentinela". A forte letra (aliás, dizem que foi feita em homenagem a Che Guevara), uma música belíssima, fora defendida pelas baianas Cynara e Cybele, do Quarteto em Cy, as mesmas do "Sabiá" chico-jobiniano. "Sentinela".

Fernando Brant teve mais de 200 canções gravadas: além de "Travessia", é coautor de "Maria, Maria", "Promessas do sol", "O vendedor de sonhos", "Canção da América", "Saudade dos aviões da Panair (Conversando no Bar)", "Encontros e despedidas", "Nos bailes da vida" e "San Vicente", além de parcerias com outros músicos do Clube. "Manuel, o audaz", parceria sua com Toninho Horta, se refere a um velho jipe Land Rover, comprado por Fernando com um empréstimo feito junto à Caixa Econômica Estadual de Minas Gerais. "Paisagem na janela", de Lô Borges, "O medo de amar é o medo de ser livre", de Beto Guedes, "Canoa, canoa", de Nelson Angelo e outros, também têm versos de Fernando.

Infelizmente, o fígado de Fernando não resistiu a um câncer. Um transplante foi feito. O corpo já debilitado não reagiu bem.

Morte, vela, sentinela sou...qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar...

Ficamos órfãos, mais pobres culturalmente, sem o grande letrista...

Fica com Deus, poeta.

 

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