de esperança em esperança...valeu, Dom Paulo Evaristo!

eu gostaria de ser lembrado como um amigo do povo”
(Dom Paulo Evaristo Arns, baita amigo do povo e arcebispo
emérito de São Paulo nas horas vagas)



O Brasil e o mundo perderam o grande Dom Paulo Evaristo Arns. Ele morreu em São Paulo nesta quarta-feira, 14, aos 95 anos. Era Arcebispo Emérito de São Paulo. Dom Paulo Evaristo era o quinto dos 14 filhos que Gabriel Arns e Helena Steiner tiveram. Uma boa parte da prole se dedicou ao ministério cristão, como padres ou freiras. Nasceu em 14 de setembro de 1921 na pequena Forquilhinha, na região de Criciúma, antiga colônia de imigrantes alemães em Santa Catarina. Era, com orgulho, colono, filho de pequenos agricultores. 
 
Para estudar, assim como fizera seu irmão mais velho, frei Crisóstomo, Paulo Evaristo entrou em um seminário franciscano. Não à toa que Paulo Evaristo seguiu os passos de Francisco de Assis. O pai agricultor apoiou com entusiasmo, apesar do gasto que representava para a família. Sua irmã, Zilda, optou pela Medicina, e foi uma pediatra e sanitarista de mão cheia, engajada na Pastoral da Criança. Ela faleceu em Porto Príncipe, no Haiti, devido ao terremoto que assolou o país em 2010.

Seu Gabriel uma vez dissera a Paulo: “nunca se envergonhe de dizer que você é filho de colono”. A frase calou fundo. Muito depois, quando concluía os estudos na famosa Sorbonne francesa, Paulo mandou um telegrama para Forquilhinha. “O filho do colono é doutor pela Universidade de Paris e não se esqueceu da recomendação do pai.” 
 
E o filho do colono voltou ao Brasil. Foi professor de Teologia no seminário franciscano de Petrópolis (RJ), onde trabalhou dez anos em favelas, ao melhor estilo franciscano. Dom Paulo considerou esse período como o mais feliz da sua vida. Em maio de 1966, foi nomeado bispo auxiliar do então cardeal de São Paulo, d. Agnelo Rossi, que o designou para a região de Santana, na zona norte da capital paulista. 
 
Dom Paulo dedicava-se aos presos da Casa de Detenção do Carandiru e criava núcleos das comunidades eclesiais de base (CEBs). Um telefonema do núncio apostólico lhe comunicou que seria o novo arcebispo de São Paulo. E era uma ordem do papa Paulo VI, que transferira o cardeal Rossi para Roma. Era 1970. Um ano antes, tivera os primeiros contatos com vítimas do regime militar, iniciando sua luta em defesa dos direitos humanos que marcaria sua carreira. Designado pelo cardeal para verificar as condições em que se encontravam os frades dominicanos e outros religiosos na prisão, constatou que eles estavam sendo torturados. 
 
Bom, era meio natural que os militares de plantão não gostassem da nomeação de D. Paulo. Por essas e outras, era chamado, pelas costas, de “padre vermelho” pelos simpatizantes do regime e antipatizantes do povo e das causas de Dom Paulo, um tal de cristianismo que ele teimava seguir ao pé da Palavra. Durante os anos de chumbo, o cardeal combateu a ditadura e as desigualdades sociais com bravura. Em março de 1973, ele presidiu a "Celebração da Esperança", em memória do estudante Alexandre Vannucchi Leme, morto pelas forças da ditadura. No ano seguinte, acompanhado de familiares de presos políticos, apresentou ao general (e Richelieu de plantão) Golbery do Couto e Silva um dossiê relatando os casos de 22 desaparecidos. 
Recebeu (muito) mais de 30 prêmios por sua ação e atuação, e certamente figura entre os que mais contribuíram por um mundo melhor. Quando foi elevado a cardeal, em março de 1973, uma das suas primeiras medidas foi criar a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, que denuncia até hoje casos de tortura e assassinatos cometidos pela ditadura, dando apoio às vítimas. Formada por advogados e outros profissionais, a Comissão funcionava na Cúria Metropolitana, sinônimo de refúgio e esperança para as famílias de mortos e de desaparecidos.

Respeitado e temido, amado e odiado, D. Paulo tornou-se um símbolo de resistência, ao lado de Dom Hélder Câmara e tantos outros que levaram a sério de verdade os ensinamentos de Cristo, e não se mixaram pra gorilada. Denunciou as torturas nos quartéis, visitou presos em suas celas, liderou atos de protestos. É, pelo jeito, leu e entendeu o que Cristo disse....

Em entrevista à BBC Brasil, em abril de 2014, o ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1980, Adolfo Perez Esquivel, disse que foi salvo duas vezes por dom Paulo Evaristo Arns durante a ditadura no Brasil. "Dom Paulo, certamente, falou com autoridades do Brasil para que eu fosse liberado. Mas não sei as gestões exatas que ele fez. O que sei é que ele não perdeu tempo em organizar uma manifestação na porta da delegacia para me salvar. E me salvou", disse o intelectual argentino.

No período mais difícil do regime, procurou o presidente general Emílio G. Médici (Arena), em nome do episcopado paulista, para lhe entregar o documento “Não te é lícito”, no qual os bispos exigiam o fim das torturas. Médici, em sua truculência habitual, deu um murro na mesa ao ouvir a advertência do cardeal e o pôs para fora de seu gabinete. Típico do gorilão... “O senhor fique na sacristia, que nós cuidamos da ordem”, irritou-se o general. D. Paulo pegou de volta o exemplar da “Rerum Novarum”, a encíclica de Leão XIII que levara de presente, mas fora jogada de lado. De fato, o mastim de plantão não curtia nosso heroico sacerdote...

Dom Paulo foi um dos principais representantes da Teologia da Libertação na América do Sul. O fato de fazer da libertação um modo de vida e um estilo de diálogo foi mais que um discurso ou um slogan. Defendeu a todos sem distinção de credo ou ideologia. E soube, sempre, ouvir com serenidade. Seu valor fundamental foi dizer a palavra correta na hora necessária. Para o teólogo Leonardo Boff, o religioso representa o símbolo da “consciência e justiça social, um verdadeiro cardeal dos pobres”. 
 
No ano de 1975, quando Vladimir Herzog foi "suicidado" pela ditadura, Dom Paulo celebrou na Catedral da Sé, junto com o rabino Henry Sobel e o reverendo presbiteriano James Wright, um culto ecumênico em função da morte do jornalista Vladimir Herzog. Apesar da repressão a missa ocorreu silenciosamente até o seu final com cerca de oito mil pessoas em seu interior, e milhares na escadaria que gritando slogans pela volta da democracia. “Ninguém toca impunemente no homem, que nasceu do coração de Deus para ser fonte de amor”, dissera na ocasião, durante a homilia, dom Paulo. 
 
O cardeal intercedeu no episódio que ficou conhecido como Chacina da Lapa, em 1976, quando parte da direção central do PCdoB foi atingida pela repressão matando três integrantes: Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond. Em defesa dos direitos humanos, visitava operários, estudantes e políticos nas celas da polícia. Foi numa sala da repressão que conheceu Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido detido após as greves dos metalúrgicos do ABC. Ficaram amigos pelo resto da vida. 
 
Entre 1979 e 1985, coordenou com o Reverendo James Wright e o Rabino Henry Sobel o projeto “Brasil: Nunca Mais”, contra a tortura. No projeto, reuniram informações de 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM) revelando a extensão da repressão política no Brasil. O trabalho foi sistematizado e lançado em um livro. 
 
Em 28 anos de arcebispado, criou 43 paróquias, construiu 1200 centros comunitários, incentivou e apoiou o surgimento de mais de 2000 comunidades eclesiais de base (CEBs) na capital paulista. Por seus feitos, recebeu inúmeros prêmios e homenagens no Brasil e no exterior. Dentre eles, o Prêmio Nansen do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), o Prêmio Niwano da Paz (Japão), e o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos (EUA), além de 38 títulos de cidadania. 
 
Ao completar 90 anos no dia 14 de setembro 2011, Dom Paulo Evaristo Arns foi lembrado como “a voz dos que não tinham voz” e um representante “incansável na defesa dos direitos humanos”. Jornalista não-profissional, era registrado na 14º Delegacia Regional do Trabalho de Petrópolis (RJ), desde 1961, e foi empossado como jornalista militante pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Dom Paulo Evaristo foi voz dos sem voz, foi coragem contra a ditadura, contra os opressores. Corintiano, colono, franciscano. O seu lema: "EX SPE IN SPEM" (De Esperança em Esperança), traduz a certeza do homem de fé de que em Deus esperou e não será confundido, numa referência ao Salmo 70,1. É uma expressão da total e confiante adesão a Cristo e a Sua palavra. Descansa em paz, meu frei, meu querido arcebispo. foste ao encontro do Senhor a quem sempre serviu nos pobres e torturados, como nos lembra Leonardo Boff. Paulo, grande amigo do povo, grande amigo de Deus.


Comentários

  1. Bom dia

    Quero te parabenizar Guto de lembrar deste indiscutível cristão que em sua vida inteira dedicou horas de sua vida ao outro. Deus o tenha em sua magnitude e nós aprendamos de sua herança o que foi marca de seu caráter como cristão!
    Bom dia
    Nando

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    1. valeu, Nandão! Dom Paulo entra para a História como uma das maiores personalidades na luta contra todas as forças opressoras, contra a ditadura, e a favor dos direitos humanos. Dom Paulo sempre!!

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