irredutíveis e sensacionais
Uma
de minhas melhores lembranças de infância está nos álbuns e
filmes do personagem francês Asterix e toda sua entourage.
Lembro de minhas gargalhadas no então Cinema Vitória, ali na
esquina da Borges de Medeiros com a Salgado Filho, numa sessão de Os
Doze Trabalhos de Asterix.
Devo aos meus pais e a seu amigo, o hoje dr. Rosalvo Maciel, o
contato com os irredutíveis gauleses. René
Goscinny e Albert Uderzo
foram os responsáveis por trazerem ao papel todo o universo da Gália
de 50 a.C. Eles criaram mais personagens, mas o grande sucesso de
suas carreiras foram os bravos bebedores de poção mágica daquela
ponta da Armórica.
Gosciny
era francês quase que por acidente. Seus pais, um polonês e uma
ucraniana, o criaram em Buenos Aires. De volta à França, trabalhou
na contabilidade de uma fábrica de pneus, foi ilustrador, morou em
Nova York, foi convocado pelo exército francês na II Guerra – mas
não chegou a ir para o front -, conheceu o lendário Harvey
Kurtzman, da revista Mad. Seu trabalho chamou a atenção de Georges
Troisfontaines, o diretor da World Press Agency em Bruxelas, na
Bélgica. Goscinny foi para a Bélgica encontrar-se com ele acabando
também por conhecer o diretor de arte da Agência Dupuis,
Jean-Michel Charlier. Ele acabou por se estabeleceu em Paris, onde
fez alguns trabalhos para a Dupuis vindo mais tarde, em 1951, a
assumir a gestão do Gabinete de Imprensa de Paris da World Press
Agency. Foi aqui que conheceu Albert Uderzo.
Os
seus primeiros trabalhos foram para a Dupuis, mas ao mesmo tempo,
trabalhou no desenvolvimento dos seus próprios personagens,
nomeadamente o indígena norte-americano Humpá-Pá. Infelizmente,
esta história não era do interesse dos criativos a Dupuis, e levou
muito tempo para ser publicado. Em 1955, com a parceria de Morris,
foi lançado o extremamente bem sucedido faroeste Lucky Luke. Nesse
mesmo ano, após um desentendimento, Goscinny abandonou a World Press
Agency e, juntamente com Charlier, Uderzo e Jean Hebrard, criaram os
syndicates independentes Edipress e Edifrance.
Ainda
nesse ano, lançaram a revista Pilote onde começaram a mostrar as
obras de vários artistas novos e talentosos. Goscinny também criou
o livro para crianças Le Petit Nicolas, com Jean-Jacques Sempé e,
em 1956, escreveu editoriais e histórias para a Pilote bem como
argumentos para filmes. Em 1962, trabalhou no Le Grand Vizir Iznogoud
(aquele árabe invocado que “queria ser o califa no lugar do
califa” Harrum al Mofadah) com o jovem artista Jean Tabary. São
bons quadrinhos, sem dúvida, todos os citados acima. No entanto, foi
Asterix, criado para a primeira edição da "Pilote", que
projetou sua carreira. Em 1974, juntamente com Uderzo fundou os
Estúdios Ideafix para fazer versões animadas de Asterix, sendo a
sua primeira produção "Os doze trabalhos de Asterix". O
filminho é simplesmente genial!
Como
Uderzo, Goscinny também recebeu vários prêmios e foi considerado
um herói nacional em França. Pudera, o cara simplesmente quebrou o
monopólio do quadrinho norte-americano na França e toda a Europa,
por tabela... Infelizmente, o trabalho duro e o esforço tinham feito
estragos, vindo a morrer de ataque cardíaco a 5 de novembro de 1977,
aos 51 anos de idade. Uderzo continuou a ilustrar os livros de
Asterix (a uma média de um álbum a cada 3 a 5 anos,
comparados aos dois livros, por ano, em vida de Goscinny). A autoria
dos livros ainda indicava Goscinny e Uderzo, tributo ao parceiro e
amigo. Em 2013, o
primeiro álbum de Asterix sai sem a autoria principal de Uderzo,
Asterix
e os pictos, com roteiro de Jean-Yves
Ferri e ilustrado por
Didier Conrad; Uderzo colaborou
para a capa e
detalhes na arte.
Asterix
é um personagem icônico. Representa muito da resistência cultural
francesa diante dos “romanos neuróticos”, uma parábola à
invasão cultural norte-americana pós II Guerra Mundial. Sua visão
da história europeia, recheada de ironias, ilustra ainda a França
de sua época. Os engarrafamentos de bigas e carroças no verão em
direção ao litoral do Mediterrâneo, o trânsito caótico da
Lutécia, na verdade Paris, são formas de apresentar a realidade
contemporânea a partir dos personagens de 50 a.C. Também a
consciência ambiental, expressada pelo pequeno cão Ideafix, que
chora copiosamente a cada árvore derrubada, aparece nas sagas.
Sempre é uma grande leitura, uma garantia de diversão inteligente
as sagas, pontuadas de nonsense (o que dizer de roubar a coroa de louros de Júlio César só pra ter tempero para um ensopado?), pelas brigas entre os aldeões, em geral usando
os peixes de qualidade duvidosa de Ordenalfabetix, e o final, sempre
é com o famoso banquete ao luar, com os indefectíveis e deliciosos
javalis assados e o bardo Chatotorix amarrado e amordaçado...
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