um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco....
Um dos CDs que me acompanha no carro é da gravação
de um show em tributo a Taigura, com vozes femininas. Uma das canções
é "Memória Livre de Leila", em homenagem a uma moça que,
se estivesse neste plano, teria seus setenta aninhos. De uma geração
que virou a História, Leila Diniz foi essa menina livre, que
Taiguara canta com maestria....
Mas quem foi ela? Leila, cujo nome foi dado a muitas
meninas nascidas na década de 60 (inclusive uma prima, neta de uma de minhas tias-bisavós...), tinha sete meses de idade quando
os pais se separaram. Nada mais brasileiro do que a história de
Leila Diniz, traçada no absurdo de fatos pelos quais se passa na
vida, como o pisar em pedra dura, areia quente, uma dor que para ter
fim depende de suas próprias forças. Leila encontrou sua maneira de
identidade ao descobrir a força da natureza e
harmonizá-la em paz na postura de vida que adotou. Ela nasceu em 25
de março de 1945 num casamento em crise. O pai, Newton Diniz,
trabalhava como bancário, além de militar regularmente no Partido
Comunista Brasileiro. Descendia de um maranhense pobre, Dario, que
deixou o Maranhão para tentar a vida no Rio, tornando-se oficial da
Marinha; a mãe, Carlota, vinha de uma família da mistura clássica
brasileiro-português que estabelecida no Largo do Machado (onde, aliás, morou um de meus tios-bisavôs...). Newton
era o filho do meio, entre os irmãos Dario e Lucy. Logo que terminou
o segundo grau, prestou concurso para o Banco do Brasil e garantiu
vaga numa agência em Vitória (ES), onde conheceu e namorou
Ernestina Roque, que dava aulas de educação física ao se apaixonar
pelo homem com quem teria três filhos, o comunista carioca Diniz.
Ao conseguir nova transferência para o Rio de
Janeiro, Newton levou Ernestina para morar com seus pais, no
suburbano bairro de Cavalcanti, zona norte do Rio. Elio, mais
conhecido pelo apelido New é o primogênito (nasceu em 1938) e seria
o único filho homem de Newton Diniz. Em Cavalcanti nasceu Eli, a
primeira entre as mulheres que, por toda a vida, foi chamada de Baby.
Na verdade, a primeira casa de Diniz e Ernestina no Rio foi em
Icaraí, Niterói, onde nasceu Leila Roque Diniz. Leila era um bebê
de sete meses quando Ernestina e Newton se separaram, sequer tinha
consciência de que a mãe ficara doente e acabou internada num
sanatório em Correias, distrito de Petrópolis, na serra fluminense.
Ernestina não teve forças nem direito de decidir o destino dos três
filhos já que passava por um sério tratamento. Elio e Eli foram
matriculados em colégio interno. E Leila, ainda um bebezinho, foi
entregue aos avós paternos, que ainda moravam na casa de Cavalcanti.
Quando Newton conseguiu juntar os cacos trouxe Elio e Eli para viver
com os pais e tudo parecia caminhar para uma harmonia familiar ainda
abalada pela doença de Ernestina. A casa era grande, sempre cheia de
gente. Sobre eles, pairava a figura do querido vovô Dario.
No sanatório de Correias, Ernestina sofria a
recuperação física e psicológica durante dois longos anos. O
isolamento deixou marcas profundas na sua personalidade. Ela,
para enfrentar o sofrimento entregou-se intensamente à
religiosidade. Ao sair, estabeleceu-se no bairro de Santa Tereza, mais tarde reduto carioca da bichogrilagem.
Arriscou-se num concurso público para uma vaga no Ministério da
Fazenda, permanecendo ali, no mesmo emprego, até se aposentar.
Sozinho, Newton Diniz conheceu Isaura da Costa
Neves, outra professora que deu aulas no curso primário por toda a
vida. Ela era cinco anos mais velha do que Diniz e se apaixonou ao
ouvi-lo discursar num comício. Isaura topou a parada de viver com um homem mais jovem, um tabu na época, e que estava num final de relação, com três crianças a tiracolo (outro tabu). E, quando os
dois foram morar juntos em Copacabana, Diniz levou, de fato, os três filhos
junto. Isaura, aos 40 anos, teve sua primeira filha, Regina, em 1949.
Depois nasceu Lígia, a caçula. A situação dos mais velhos –
Elio e Eli – se complicou com o tempo. Aos 10 anos Leila tomou
conhecimento de que não era filha de Isaura. Viveu um período
difícil de aceitação, mas só aos 14 saiu de casa pela primeira
vez. "A minha mãe de nascimento, a chamada puta que me pariu,
mora em Santa Teresa. Eu fui criada por outra, minha madrasta, muito
bacana também, eu gosto muito dela", declarou Leila
Leila tinha apenas 16 anos quando decidiu procurar
um analista e iniciar a intensa busca por se entender (ou não) que a perseguiu
até morrer. O doutor Wilson Chebabi que a atendeu dos 16 aos 19, de
1961 a 1964 e, outra vez em 1970 quando fez mais um ano de análise, relembra:
"Da imagem pública da Leila, eu admirava mais a coragem de
rasgar o véu da hipocrisia, de falar o que todo mundo queria falar e
não falava. Acho que a imagem dela ficou forte socialmente porque
todo mundo sentia que ela peitava mesmo, que ela estava se abrindo,
que essa coisa revolucionária era verdadeira, era consistente, não
apenas um gênero. Ela bancava as consequências de cada coisa que
ela ia abrindo".
Leila abandonou os estudos no segundo ano clássico,
do Colégio Souza Aguiar, em Vila Isabel, em que pese alguns autores
considerem que ela havia se formado pelo então curso Normal como
professora de séries iniciais. Estudava a noite, e logo começou a trocar a sala de aula pelos
barzinhos. Aos 17 anos, casou com o diretor Domingos de Oliveira. A
"professorinha" que tanto encantou o poeta Drummond,
estava "casada" com Domingos de Oliveira, um engenheiro
eletricista que mudou de profissão e trabalhou como
ator, teatrólogo, roteirista e diretor de teatro, televisão e
cinema. Nas palavras dela, "Conheci o Domingos porque namorava
um rapaz de teatro, o Luis Eduardo. Ele trabalhava numa peça do
Domingos, Somos todos do Jardim de Infância. Eu estava voltando o
namorinho com o Luis Eduardo mas conheci o Domingos e dei aquela
decisão. Durante a peça eu já estava na do Domingos, não é? Daí
a gente se juntou e teve aquela zorra toda", contou Leila ao
Pasquim.
No primeiro ano e meio de casamento, Leila lecionava à tarde, estudava à noite e, para ajudar no parco orçamento doméstico, trabalhou numa agência de modelos, fazendo figuração em filmes e anúncios publicitários. Através da agência foi parar na televisão Foi quando teve sua primeira experiência como atriz, na peça infantil “Em busca do tesouro”, dirigida pelo marido. No ano seguinte, trabalhou como corista em um show de Carlos Machado. Em seguida estréia como atriz dramática, contracenando com a grande e lendária Cacilda Becker em “O preço de um homem”, peça encenada em 1964. O relacionamento com Domingos durou apenas três anos.
No primeiro ano e meio de casamento, Leila lecionava à tarde, estudava à noite e, para ajudar no parco orçamento doméstico, trabalhou numa agência de modelos, fazendo figuração em filmes e anúncios publicitários. Através da agência foi parar na televisão Foi quando teve sua primeira experiência como atriz, na peça infantil “Em busca do tesouro”, dirigida pelo marido. No ano seguinte, trabalhou como corista em um show de Carlos Machado. Em seguida estréia como atriz dramática, contracenando com a grande e lendária Cacilda Becker em “O preço de um homem”, peça encenada em 1964. O relacionamento com Domingos durou apenas três anos.
Leila deu seus primeiros passos como atriz na
televisão aos poucos. Começou na TV Globo, com papéis menores até
trabalhar em “Eu compro essa mulher”, de Glória Magadan. A
projeção nacional veio meses depois com a personagem Madelon de “O
Sheik de Agadir”, da mesma autora. A partir daí,
ela fez várias novelas na TV Globo, TV Excelsior e na TV Tupi, 12 ao
todo.
Quando a conheceu em 1966, nas gravações da novela
O Sheik de Agadir, a atriz Marieta Severo logo
percebeu que Leila era uma daquelas pessoas que valiam a pena: "Ela
era muito centrada (equilibrada). Nunca a vi mal-humorada, mas tinha
grandes tristezas (quando não passava muito tempo sozinha,
escrevendo). Leila escrevia todo dia e assinava com um desenho (um
círculo com um ponto no meio). Isto simbolizava sua busca pela
essência de si mesma", disse Marieta.
Com o filme Todas as Mulheres do Mundo que Leila Diniz se projeta como atriz e personalidade, atuando numa história dirigida por Domingos de Oliveira, que incorporou claras referências à vida em comum do casal. No cinema, a atriz alternou papéis de protagonista, coadjuvante e participações especiais. Em Congonhas do Campo filma Madona de Cedro, baseado no romance de Antônio Callado. Nesse filme é dirigida por Carlos Coimbra, com quem volta a trabalhar em Corisco, o Diabo Loiro. Em 1968, Leila vai à Alemanha representar Fome de Amor, de Nelson Pereira dos Santos, no Festival de Berlim.
Em novembro de 1969, é publicada em O Pasquim a
entrevista que se tornaria histórica. Na entrevista, como em vários
momentos, Leila falava de sua vida pessoal sem nenhum tipo de
vergonha, pudor ou constrangimento. Nessa entrevista, ela, a cada
trecho, falava palavrões que eram substituídos por asteriscos.
Curiosamente, alegando "razões morais", a TV Globo não
renovou contrato com a atriz. A escritora Janete Clair, autora dos
folhetins globéticos, afirmou que "não haveria papel de
prostituta nas próximas telenovelas da emissora". Não me
surpreende esse tipo de declaração dessa senhora... Leila então recebe o apoio
do apresentador Flávio Cavalcanti. Em 1970, ela se torna jurada no
programa dele e passa a viver no sítio do apresentador, num momento
em que é acusada de ter ajudado militantes de esquerda. Na época, era comum que os "inconvenientes" ao status quo fossem acusados de ser ou ajudar os "perigosos" comunistas...
Mais tarde, Leila reabilita o teatro de revista e dá início a uma curta, mas bem-sucedida, carreira de vedete. Protagoniza “Tem banana na banda”, sempre improvisando a partir dos textos escritos por Millôr Fernandes, Luiz Carlos Maciel, José Wilker e Oduvaldo Viana Filho. Ganha o concurso de Rainha das Vedetes, recebendo o título das mãos de Virgínia Lane (a mesma que fora bastante íntima de um certo morador do Catete que fez um furo no pijama e atendia pelo nome de Gegê na intimidade). Também é eleita Madrinha da lendária Banda de Ipanema.
Leila era famosa por não ter papas na língua, e soltar o verbo a rodo. Ela realmente falava palavrão mesmo, ou, como ela mesma diria, "boca suja prac@ralho". Embora jovem, há muito tempo havia rompido com um dos aspectos da cultura judaico-cristã, justamente aquele que reserva os pecados para o que se passa da cintura para baixo e nas cabeças inferiores, masculina e feminina, do corpo humano. Não só falava palavrão como inventava em cima do tema. "Caceta dourada", por exemplo, era uma expressão usada para qualificar as coisas de que gostava. "Minha caceta dourada", diria de algo bacana mesmo, algo semelhante ao "afu" portoalegrense. Um dia, uma moça perguntou a ela o que era "caceta dourada". ao que ela respondeu, de bate-pronto: "querida, você conhece muito bem. É que você não está ligando o nome à pessoa"...
Em 1971, faz uma ponta em O Donzelo, no papel dela mesma. Como protagonista atua em Mãos Vazias, primeiro filme de Luiz Carlos Lacerda, seu amigo íntimo desde a adolescência. Namorando com o cineasta Ruy Guerra, engravida nos primeiros meses deste mesmo ano. Havia escolhido a época e o pai de seu bebê. Parou de usar o contraceptivo oral, cuidou-se com alimentação e exercícios, uma gravidez exemplar, que emocionava o amigão Milton Nascimento (aliás, Bituca musicou um dos poemas de Leila, com o mesmo nome desta presente blogada). Exibindo a grande barriga de oito meses, é fotografada de biquíni na praia, numa atitude inédita e audaciosa para a época. Em novembro nasce a filha Janaína. Depois de uma temporada de dedicação integral ao bebê, Leila volta aos palcos do teatro de revista. No Carnaval seguinte, filmou sua última participação no cinema: Amor, Carnaval e Sonhos, de Paulo César Saraceni.
Em junho, deixa o Brasil para representar o filme Mãos Vazias no Festival de Cinema da Austrália. Tudo parecia especialmente bem para Leila Diniz naquele ano de 1972. A viagem foi especialmente dolorosa para a atriz que, pela primeira vez, deixa Janaína, de sete meses, aos cuidados de Ruy Guerra. Leila Diniz recebeu o prêmio de melhor atriz do festival e, em 13 de junho, envia um cartão postal para o Brasil, dirigido à filha: "Minha querida Janaina, hoje eu e meus amigos passeamos num lindo parque cheio de cangurus, coalas e outros bichinhos. Fiquei com uma vontade de ter você aqui comigo. Acho que daqui a dois anos nós vamos poder viajar juntas, conhecer os lugares mais lindos da Terra. Estou voltando logo, logo. Muitas saudades de você e do nosso querido Brasil. Beijo para você e para o seu paizão. Da mãe cangurua, Leila".
O postal refletia a saudade da filha, e Leila então
antecipa a viagem de volta, partindo antes do encerramento. No dia 14
de Julho de 1972, a tragédia. O avião da Japan Airlines em que
viajava explodiu no ar, quando sobrevoava Nova Delhi, na Índia. O
falecimento de Leila Diniz, aos 27 anos, causou comoção nacional. A
atriz Marieta Severo e o compositor e cantor Chico Buarque de
Holanda, seus amigos, cuidaram da filha de Leila Diniz e Ruy Guerra,
durante muito tempo, até o pai ter condições de assumir sua
criação. Cidadão do mundo, levou tempo para que Ruy sentasse a poeira e pudesse se dedicar à pequena. Um cunhado advogado se dirigiu a Nova Delhi, para tratar
dos restos mortais da atriz. Acabou encontrando um diário que
continha diversas anotações e uma última frase, que provavelmente
estava se referindo ao acidente: Está acontecendo alguma coisa
muito es....
Carlos Drummond definiu assim Leila: "sem
discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de vinte
anos presas ao tronco de uma especial escravidão." Ela mesma
afirmou que "viver intensamente é você chorar, rir, sofrer,
participar das coisas, amar, achar a verdade nas coisas que faz.
Detesto o desespero e a fossa. Não morreria por nada nesse mundo
porque gosto realmente é de viver. Nem de amores eu morreria porque
eu gosto mesmo é viver de amores". Sua prematura morte deu
início à formação do mito em torno da mulher considerada
revolucionária, que rompeu tabus e conceitos através de suas ideias
e atitudes.
Bibliografia consultada:
Echeverria, Regina. Leila. In:
http://www.portalbrasileirodecinema.com.br/leila/extras/06_01.php.
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