Márcio Celi e a MPG - Artigo
Abaixo, apresentamos o artigo feito para a disciplina de História da Música III, do Curso de Licenciatura em Música do IPA, ministrada pelo prof. M.Sc. Ayres Estima Potthoff, 2017/1. Trata-se de uma entrevista com o cantor e compositor Márcio Celi, contextualizada dentro do que chamamos carinhosamente de MPG. As regras de uso do presente material são as mesmas. Podem ser utilizados para fins didáticos, acadêmicos e culturais, desde que citadas as fontes. Fotografias tomadas durante e após o show A Três, em Canoas/RS, dia 03/06/2017.
Márcio Celi e a MPG
Carlos Augusto Borba Meyer Normann
RESUMO
O presente trabalho visa relatar de forma
sintética a trajetória artística do cantor e compositor Márcio
Celi, contextualizando dentro da Música Popular urbana de Porto
Alegre. Serão levantadas as principais influências em sua carreira,
bem como traçado um histórico de sua formação e produção
musicais.
ABSTRACT
The
present work aims to report in a synthetic way the artistic
trajectory of the singer and composer Márcio Celi, contextualizing
within the Urban Popular Music of Porto Alegre. Will be raised the
main influences in his career, as well as tracing a track record of
his musical training and production.
1
O ENTREVISTADO E SEU CONTEXTO HISTÓRICO
A escolha de um
entrevistado passa por vários critérios. No nosso caso, venho
resgatar minha pré-adolescência, quando era aluno da professora
Diva de Oliveira Celi, na Escola Estadual Ildefonso Gomes, colégio
que, na época, era uma das famosas “brizoletas”, escolas feitas
em madeira, em escala industrial, para todo o estado. Hoje, o moderno
prédio ocupa o mesmo local da esquina da Rua Luiz Manuel com a
Avenida João pessoa, onde o bairro Farroupilha e a Azenha se
encontram.
Márcio Celli de
Oliveira, ou mais simplesmente, Márcio Celli, era o filho menor da
professora Diva Celli de Oliveira. Vez que outra, a mãe o trazia
para a aula, pelas razõesque as mães professoras levam seus filhos
e filhas para a escola. Seu irmão Luciano foi meu colega de turma,
por alguns anos do Ensino Fundamental. Márcio seguiu a carreira
musical, e hoje tem um
trabalho focado essencialmente na música brasileira. Suas
composições abordam estilos variados como o samba, a bossa-nova,
ijexás e baladas. Dentre as características de repertório
observam-se também as regravações com arranjos diferenciados.
Pois o Márcio Celli
iniciou a carreira artística em fins dos anos 1980. Cabe um
parêntese aqui para contar um pouco da cena musical porto-alegrense
entre as décadas de 70 e 80, até para entender e conhecer melhor
nosso ilustre entrevistado. A Música Popular Gaúcha terá suas
origens na esteira dos festivais do centro do país e nos novos
espaços artísticos que foram aparecendo em Porto Alegre. Assim, no
Clube de Cultura, se forma, em 1968, a Frente Gaúcha de Música
Popular,fazendo eco às organizações políticas de resistência à
ditadura. As principais lideranças eram Sérgio Napp, Raul
Ellwanger, César Dorfmann, Edgar Pozzer e o nosso professor Paulo
Dorfmann, além de um grupo de pessoas mais jovens à época, como
Cláudio Levitan.
A Frentefoi lançada
em um show no Grêmio Náutico União,
com
Elis Regina como convidada. O espetáculo foi patrocinado pela
Companhia Jornalística Caldas Júnior, então proprietária do
Correio do Povo, Rádio Guaíba, Folha da Tarde e Folha da Manhã. No
mesmo ano os tradicionalistas lançaram um manifesto defendendo uma
identidade estética como música brasileira do sul. O advento do
AI-5 restringiu a possibilidade de criação musical em todo o
Brasil, inclusive em Porto Alegre. Muitos compositores foram buscar
exílio no exterior, como Raul Ellwanger (RIBAS, 2013).
Em 1969, Giba-Giba,
De Santana e Vanderley Falkemberg fundaram o grupo Uma mordida na
Flor, de forte influência tropicalista. Deles é a autoria de
“Lugarejo”, canção que remete às utopias dos quilombos e da
Terra Sem Males. No início da década de 1970, os shows em Porto
Alegre eram poucos, gravações quase inexistentes e as rádios eram
inatingíveis. Poucos músicos conseguiam gravar seus vinis. Em 1971
ocorreu o primeiro MUSIPUC, no Theatro São Pedro, anteriormente à
reforma que o reabilitou como espaço artístico. O evento foi
promovido pelo Diretório Acadêmico Santo Tomás de Aquino, da
Faculdade de Filosofia da PUCRGS. Souza (2006) nos recorda que,
durante os anos 1970, um dos grandes motores criativos da música
popular brasileira, os festivais nacionais de música popular,
diminuíram significativamente. Justamente nesse período que surge o
MUSIPUC. Assim, o Rio Grande do Sul, e em especial Porto Alegre e
Uruguaiana, passaram a assistir várias edições de festivais de
música popular, tanto o MUSIPUC quanto a Califórnia da Canção
Nativa, dando início à abertura de espaços para as apresentações
musicais de diferentes estilos e incentivando eventos similares pelo
estado.
Como nos lembra Ribas
(2013), diversos grupos proporcionaram momentos de renovação,
hibridizando a música de raiz folclórica no Rio Grande do Sul com o
pop nacional e mesmo internacional, somando ainda a influência da
música feita nos países platinos e no Chile, nos anos 70 e 80.
Evento fundamental para a gênese da MPG dentro da cena artística
urbana, o MUSIPUC parece ter iniciado um novo movimento musical em
Porto Alegre, que mais tarde seria chamado de Música Popular Gaúcha
(MPG).
Essa movimentação
cultural surgiu como uma forma de resistência à falta de espaço
mercadológico para a música local, buscando a abertura da mídia
nacional para os músicos do sul do país (SOUZA, 2006). Podem ser
citados, nessa leva, o Pentagrama de Ivaldo Roque e Jerônimo Jardim,
Os Tapes, o Grupo Caverá, o Canto Livre e os Almôndegas. A linha
que esses artistas seguiam levava cada vez mais a uma aproximação e
hibridação com a MPB e a música latino-americana. Como fala Ribas
(2013):
A
chamada MPG, ou Música Popular Gaúcha possui elementos da MPB
acrescidos, em suas letras, de elementos do Rio Grande do Sul, como
gírias locais e lugares que somente uma pessoa que more no estado,
principalmente na capital, ou o conheça muito bem, pode
identificar.(...) A sigla MPG, só será realmente utilizada a partir
do início da década de 80, quando os músicos do sul do país
tentam expandir-se para o resto do país e encontram grandes
dificuldades, pois o mercado ainda é restrito para músicos que não
se encontram no eixo Rio - São Paulo (RIBAS, 2013, p. 71).
Como parte do universo artístico
rio-grandense e brasileiro, há que se trazer o rock brasileiro e o
gaúcho para a nossa breve meditação. Como nos lembra Ratner
(2009), o rock brasileiro traz para o início dos anos 80 uma ampla
gama de bandas, muitas delas contando inclusive com roqueiros que já
haviam passado por outras formações, sendo que alguns até
iniciaram a sua trajetória ainda nos anos 60. A partir da banda
carioca Blitz, com seu ar irônico e debochado, em um nicho diferente
daquela ocupado pelas setentistas 14 Bis, A Cor do Som, Roupa Nova,
Tutti Frutti, dentre outras. Poucos os artistas, nos anos 70, ligados
ao rock, tiveram realmente um destaque significativo em termos
mercadológicos, como os Secos e Molhados de Ney Matogrosso, Raul
Seixas, Rita Lee, O Terço e seu rock progressivo mineiro, e o gaúcho
Bixo da Seda, herdeira da Liverpool.
No Rio Grande do Sul, no início dos 80,
bandas como o Taranatiriça, Bandaliera, Garotos da Rua, Engenheiros
do Hawaii, TNT, Cascavelettes, Os Eles, bem como compositores
tradicionalmente vinculados à chamada MPG, mas com forte viés
roqueiro, como Nei Lisboa, Léo Ferlauto, e Bebeto Alves. Esses
artistas contribuíram para criar uma linguagem do rock gaúcho,
obtendo grande repercussão também naquele período. Nessa época, a
rádio Ipanema FM, originalmente Bandeirantes FM, tocava o que os
meios mais comerciais evitavam, dando ampla divulgação ao rock e à
MPG. Escolas como o IPA e o Colégio Anchieta promoviam seus
festivais de rock, com grande adesão de público. Várias vertentes
do rock tinham voz e vez na cena gaúcha, desde o punk mais agressivo
até a new wave
que se achegava nos anos 80. A cena rocker dos anos 80 estabelecia
com força sua marca na música urbana porto-alegrense (ÁVILA,
BASTOS, MÜLLER, 2001; RATNER, 2009).
Retomando nosso
entrevistado, após essa breve contextualização, temos um cenário
musical, na segunda metade da década de 80, com forte influência do
rock brasileiro e do rock gaúcho, o qual absorveu elementos da
cultura rio-grandense e incorporou-se à MPG de Porto Alegre, com
tintas fortemente urbanas. Nessa cena, Márcio Celi iniciou,
oficialmente, sua carreira em 1988. Naquele ano, teve sua primeira
gravação divulgada em rádios gaúchas, a música "Enguiço",
de Adriana Calcanhoto, em gravação que contou com a participação
de Flora Almeida. Em 1989, teve divulgado em rádios gaúchas, e em
especial a Ipanema FM, a sua gravação de "Monsieur Binot",
de Joyce Moreno, que contou com a participação especial de Glória
Oliveira. A estreia de Márcio em shows se deu em 1990, quando
apresentou o espetáculo "Bem agosto", nos palcos do Porto
de Elis, na Protásio Alves, e no Teatro Renascença, portanto, ambos
em Porto Alegre. Em 1991, apresentou-se no show "Na contramão",
levado aos palcos do Porto de Elis e da Sala Álvaro Moreyra. Em
1992, apresentou o show "Libra", e participou do espetáculo
"Modern Lover’s".
Em 1993, Márcio
mudou-se para São Paulo, onde apresentou-se nos espaços culturais
Bar Armazen, Vou Vivendo, Boca da Noite, Ilha Porchat, e Olympia,
além de fazer apresentações para convenções, prefeituras e para
o Governo do Estado de São Paulo. Em 2000, gravou "Novo tom",
seu primeiro CD, lançado em show no Bar Opinião, e em São Paulo,
no qual apresenta canções de sua autoria, como "O que foi",
com Fernando Corona, e "Um novo tom", com Lúcia Severo,
além de composições de outros artistas, entre as quais, "Charme
do mundo", de Marina Lima e Antônio Cícero, e "Meu
coração", de Pepeu Gomes e Gilberto Gil.
No mesmo ano,
participou, em São Paulo, da coletânea "Novos caras da MP",
da Borage Discos. Ainda em 2000, idealizou e participou, acompanhado
de Flora Almeida e Nanci Araújo, a primeira mostra de CDs
independentes de Porto Alegre, recebendo o Troféu Menção Honrosa
no Prêmio Açorianos de Música. Em 2006, lançou seu segundo CD,
"Márcio Celi canta Adriana Calcanhotto", que foi divulgado
em shows pelo interior do Rio Grande do Sul, no Teatro de Câmara
Túlio Piva, no programa "Palco da Vida", da TVE, de Porto
Alegre, e nos bares Opinião e Abbey Road. Fez também apresentações
em Fortaleza, Ceará; Palmas, no Tocantins, e São Paulo, divulgando
o CD. Com esse disco foi pré selecionado para o Prêmio Tim, nas
categorias Melhor cantor de MPB e Melhor disco de MPB. Em 2010,
apresentou, com Roberto Haag, o show "De bossa em samba".
Por essa época, passou a apresentar o programa Canção em Destaque,
nas Rádios Buzina no Gasômetro e Estação Voz, também em Porto
Alegre.
2
OPINIÕES DE TERCEIROS SOBRE O ENTREVISTADO
As opiniões de terceiros sobre o
entrevistado foram compiladas no sitio do próprio cantor, referenciado adiante.
"Márcio
Celi tem uma voz leve, feliz, e que acaricia os ouvidos de quem a
escuta." (Rosa
Passos, cantora e
compositora).
“Márcio
Celi tem a chama poderosa dos vencedores, ouço falar e percebo que
ele é desse tipo de pessoa de rara determinação, que tem como meta
principal a autossuperação. Eu, de alma bem mais vagabunda, tenho
profunda admiração (para não dizer uma ponta de inveja) pelos
indivíduos desta estirpe e sei reconhecer um deles a quilômetros. É
assim o Márcio, e nós ainda vamos ouvir falar muito a respeito.”
(Adriana
Calcanhotto, cantora,
escritora, professora e compositora).
“No
encarte do disco 'Da minha janela', de Marcio Celi, a cantora Rosa
Passos elogia a 'voz leve, feliz e que acaricia os ouvidos de quem a
escuta'. Além do cantor, também o compositor traz emissão
própria e sutileza autoral para seus ouvintes. Trafega numa linha
etérea entre a bossa e o afro samba, a qual acrescenta novos passos
e compassos aos palmilhados por mestres antecessores”. (Tárik
de Souza, jornalista, escreve
para o Jornal do Brasil, entre outros veículos. Foi repórter,
redator e editor de música da revista Veja. Trabalhou para a Folha
de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Revistas Istoé, Vogue, Elle,
Jornal do Comércio (RJ), Show Bizz, entre outras mídias. Apresenta
desde 2005 o programa Bossamoderna na Rádio MEC do Rio de Janeiro.
Ele é, ainda, uma das maiores referências do jornalismo musical
voltado para MPB).
“Seu
segundo disco, “Márcio Celi canta Adriana Calcanhotto”, lançado
em 2006, funcionou como um cartão de visitas para esse artista
gaúcho contemporâneo e de sotaque “cosmopoplista”. Sete anos
depois, no que pode parecer um longo hiato discográfico nessa era do
efêmero, Celi mostrou que soube aproveitar bem o seu tempo. Ele
retornou com um trabalho inteiramente autoral, “Da minha
janela”, álbum que, entre outras coisas, reafirmou uma veia gaúcha
para o samba. É uma linha evolutiva que passa pelo centenário
Lupicínio, pela imersão em Porto Alegre do João Gilberto
pré-bossa-nova, e prosseguiu, na voz de Elis e mais recentemente na
já citada obra de Adriana Calcanhotto.” (Antonio
Carlos Miguel “ACM” - Rio de Janeiro/RJ, Especializado
em música há 35 anos, coautor do livro Guia de MPB em CD. É membro
votante do Grammy Latino e integra o conselho e o júri do Prêmio da
Música Brasileira. Mantém um blog no G1 que aborda de MPB ao jazz,
do samba ao rock, misturando crítica (e autocrítica), entrevistas,
notícias).
"Márcio
Celi é dono de uma voz que não lembra ninguém. Passeia por
canções de variados matizes. Afinadíssimo, com timbre bem
particular, moderno, com dicção e fraseado precisos. Solto, seguro
e elegante, cantando samba, bossa, tango ou MPB-jazz, ele mostra que,
sim, sabe o que quer dizer; que, sim, tem um estilo. E um espaço a
ocupar, neste país de tantas cantoras e tão poucos cantores.”
(Juarez
Fonseca, jornalista
e Crítico de Música do Jornal Zero Hora – RBS/Rede Globo – Rio
Grande do Sul).
Ilustração 1: No palco, o entrevistado, acompanhado de Flora Almeida e Zé Caradípia, no espetáculo "A 3". SESC Canoas, 03/06/2017. |
3.
A ENTREVISTA
A entrevista, semi-estruturada, se deu a
partir do envio do arquivo em Word para o cantor, por aplicativo de
troca de mensagens instantâneas via rede social. O mesmo remeteu de
volta a resposta ao autor. Abaixo, a íntegra da entrevista concedida
para Carlos Augusto Normann pelo cantor Márcio Celi, enviada
através do Facebook.
- Fale do Márcio Celi criança...como foi a tua infância, e onde a Música entrou nessa história?
MC
- Minha
família sempre gostou muito de música e meu irmão, Luciano Celi,
garimpava o que havia de melhor na MPB. Por isso posso dizer que a
lembrança mais remota do meu envolvimento com a música é a de
escutar tudo que o meu irmão ouvia. Tive algumas tentativas
frustradas de formar bandas na adolescência e também de estudar
violão1.
Na infância, cantei em festividades escolares, em grupos de jovens
da Igreja Católica, etc. Nunca tive dúvidas de que queria ser
cantor e algumas coisas fiz bem cedo. Aos 14 anos de idade iniciei os
estudos de técnica vocal com a mestra Déa Mancuso. Com 16, fiz a
carteira da OMB (Ordem dos Músicos do Brasil). Com 18 gravei a
primeira canção e já estava no palco.
- Quais tuas primeiras referências musicais?
MC
– São tantas, posso citar Rosa Passos, Caetano Veloso, Elis
Regina, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia,
Cazuza, etc. Exemplos de profissionalismo e qualidade artística.
- Como foi a tua formação de Músico?
MC-Não
tenho formação acadêmica musical. Estudei teoria e solfejo somente
para prestar a prova da OMB (Ordem dos Músicos do Brasil). Fiz
técnica vocal e canto popular com Déa Mancuso durante 7 anos. Não
pretendo buscar ainda uma faculdade, mas sigo com a técnica vocal,
sempre, faço até hoje!
- Trabalhas com algo além da Música? Sei que tens o consultório de Reiki, fale desse seu lado. O quanto ele contribui para o teu fazer musical?
MC-
O Reiki é energia universal vital, portanto é maravilhoso ter esta
técnica japonesa aliada a tudo que faço. Estou vivendo de música
desde 2013, ano em que lancei meu terceiro disco, totalmente autoral,
que me deu e continua me dando possibilidade fazer bastante shows em
São Paulo, um Estado que proporciona viajar muito pelo seu interior,
fazendo com que consigamos programar uma agenda bem bacana. Em Porto
Alegre, onde moro até hoje, também faço apresentações em
Projetos e SESCs. Mantenho, com uma amiga, o consultório de Reiki,
mas ela é quem está fazendo os atendimentos.
- Inegavelmente, tua ligação com Adriana Calcanhoto é uma marca da tua trajetória, da tua obra. Fale um pouco, e como pintou na tua história a nora do Poetinha.
MC-Eu
e Adriana
Calcanhotto nos
conhecemos há muito tempo. Fizemos aula de canto, aqui em Porto
Alegre – RS, com a
professora Déa
Mancuso. Na época
eu ainda era adolescente. Quando completei 18 anos de idade queria
gravar a minha primeira música e mandar para as rádios locais.
Adriana,
ainda minha colega e ainda residindo em Porto
Alegre, me mostrou
várias de suas músicas, me apaixonei imediatamente por todas e a
escolhida foi “Enguiço”,
que veio a ser título do primeiro disco gravado por ela dois anos
depois. Tenho muita coisa inédita daquela época. Até hoje quando
vou cantar alguma dessas canções, preciso avisá-la imediatamente,
pois algumas, ela nem lembra que fez (risos). A Mãe de Adriana,
Morgada
Assumpção Cunha, é
uma verdadeira “segunda mãe” na minha vida. É uma apoiadora,
além de ser uma das maiores incentivadoras da minha carreira. Foi
Diretora Cênica do show de lançamento do meu segundo disco “Márcio
Celi canta Adriana Calcanhotto”,
todo dedicado à obra de Adriana.
Morgada
é bailarina e
autora do livro “Dança:
nossos artífices” lançado
pela Editora Movimento2.
- Como era a cena musical em Porto Alegre quando começaste?
MC-
Comecei no final dos anos 90 e a
cena musical de Porto
Alegre estava
muito intensa neste período. Tínhamos e ainda temos um cenário bem
forte no Rock, é verdade, mas também grandes representantes em
todos os estilos da música popular estavam firmando as suas
assinaturas, Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves, Glória Oliveira,
Zé Caradípia, Gelson Oliveira, Flora Almeida e tantos outros nomes
tão importantes para que a música popular produzida em Porto Alegre
florescesse. Eu estava no final da minha adolescência, mas tive a
oportunidade de viver intensamente este período e privar da amizade
de tantos desses nomes, até hoje.
- Tu passaste um tempo em Sampa. Fale dessa fase, o que trouxeste de lá na bagagem, no fazer musical.
MC-
Costumo dizer que em São Paulo passei
por um processo de maturação. Fiz noite, cantei muito em bares e
ser intérprete dos melhores compositores da música brasileira nos
torna, no mínimo, exigentes e trouxe de lá, embora muito jovem
muita maturidade musical. Mas o mais interessante é que até hoje
trago de São Paulo um leque de novas possibilidades.
- Tu te defines como um obstinado, disciplinado ou rebelde? O quanto de cada tem no teu trabalho?
MC-
Eu não me defino, na verdade não me defino em nada... (rsrsrsrs).
Mas compreendi sua pergunta e creio que todo o artista tem um pouco
de rebeldia aliada a uma obstinação essencial para que os sonhos
não pereçam, mas tudo isso tem que andar junto com muita
disciplina, caso o contrário, não se chega a lugar algum...
- Como é a tua rotina de Músico, com e sem show e gravações por perto?
MC-
Continuo divulgando o CD “Da Minha Janela” com novas canções
autorais inseridas no roteiro. Tenho algumas apresentações aqui em
Porto Alegre, uma delas o show “A3 – Canções do Sul”, um
projeto que tenho ao lado de Flora Almeida e Zé Caradípia. O A3
fará uma pequena turnê através do Sesc/RS visitando as cidades de
Canoas, Novo Hamburgo, Taquara, Pelotas, Rio Grande, Santa Rosa e
Alegrete3.
No final do ano estarei em São Paulo para algumas apresentações em
alguns SESCs e outros projetos. Meu produtor (Bruno Oikawa –
Dinâmica Agência de Cultura) reside em São Paulo, assim como os
músicos Marcos Davi e Cau Karan, violonistas, amigos especiais que
me acompanham sempre nessas temporadas, o que facilita muito o meu
acesso ao centro do País. Ensaios, gravações e viagens estão
fazendo parte desta rotina, graças a Deus!
- Como é tua rotina de criação musical?
MC-
Normalmente faço o poema. Ele vem inteiro e intuitivamente com o
endereço certo do parceiro. Claro que sempre penso em colegas com
quem me identifico musicalmente e creio que esta energia seja
fundamental para que a canção nasça. Por vezes, parceiros me
mandam a melodia e eu faço o poema, criando assim o processo inverso
ao qual estou acostumado.
Quando
faço letra e música costumo dizer que é total ligação com o
espiritual, principalmente por eu não tocar um instrumento e a
canção chegar pronta. Gravo imediatamente no celular para não
esquecer. Acho ótimas todas às formas de composição que tem
acontecido comigo e só posso garantir que a inspiração vem de “lá”
para cá. Por isso agradeço sempre aos Deuses da música.
4.
CONCLUSÃO
A
entrevista oficialmente se encerrou, após o contato virtual e
telefônico, com um abraço forte ao final do emocionante espetáculo
A3, no Teatro do SESC de Canoas, no dia 3 de junho. Na ocasião,
Márcio dividiu o palco com Zé Caradípia e Flora Almeida,
desfilando um repertório bem arranjado de canções dentro do que o
próprio Caradípia denominou “MPG”, a música popular gaúcha
urbana do final dos anos 70 e primórdios da década de 80. No show,
pérolas do próprio Zé, como “Asa Morena”, famosa pela
interpretação de Zizi Possi, e “Diamante”, conhecida pela
gravação do grupo vocal Canto Livre, e vários temas de autores
como Nei Lisboa, Giba-Giba, Vitor Ramil, Pery Souza, Raul Ellwanger,
Jerônimo Jardim, Nelson Coelho de Castro, Mário Barbará e Nico
Nicolaiewski. Confesso que cantarolei os temas ao lado de minha
esposa e da filha mais jovem do início ao fim, como que viajando ao
tempo, tempo que, como Márcio Celli, vivenciei na minha gênese
musical nos anos 80.
Durante
o show, minha esposa me chamou a atenção para semelhanças entre a
performance de Márcio e de Cazuza. Não me causou surpresa, dada a
declaração na entrevista, e à própria influência que o cantor e
compositor carioca teve sobre toda uma geração de artistas que
vivenciaram a gênese de um rock
and roll
genuinamente brasileiro, unindo as influências britânicas óbvias
de Stones e Beatles, a poética de Dylan, a energia do blues
norte-americano, ao pulso da música brasileira, em especial do samba
carioca. Fica evidente, ao ouvir Celi, que o cantor bebeu dessa
mesma fonte de influências de Cazuza, Adriana Calcanhotto e Elis
Regina. Aliás, da mesma forma que Cazuza e Lupicínio Rodrigues,
Márcio é compositor mesmo sem ter maiores domínios sobre
instrumentos musicais harmônicos, como ele mesmo afirma na
entrevista. À semelhança de Cazuza e Lupi, a melodia é gerada e
traduzida por instrumentistas, dentro de seu processo de criação.
A
voz de Márcio soa encorpada e delicada, bem trabalhada nos anos de
estudo de técnica vocal. Domina o palco, com a alegria de uma
criança no parque, envolvendo em uma performance bem trabalhada, num
entrosar de arranjos bem estruturados, em sintonia com as vozes de
seus parceiros de cena. O repertório vem direto à memória
sentimental de quem cresceu musicalmente ouvindo a efervescente cena
musical da Porto Alegre em que a MPB do centro do país ganhava
tintas do que era produzido nas Califórnias da Canção Nativa e
Musicantos, gerado nas garagens da metrópole ou do que vinha de novo
e belo da Satolep ramiliana.
É
interessante quando Márcio fala de ter tocado na Igreja Católica.
Vários músicos, seja no Brasil, no exterior, enfim, tiveram seu
início de carreira atrelado a alguma religião, alguma igreja. No
Rio Grande do Sul, há um forte vínculo, seja da Igreja Católica,
Metodista, Luterana e Anglicana, com movimentos musicais, inclusive
festivais, muitos ligados à estética da MPG, do Nativismo ou do
rock. Um exemplo é o falecido apresentador do Galpão
Crioulo,
Antônio
Augusto Fagundes, que sempre lembrava de suas raízes metodistas,
inclusive em sua família, ao lembrar o tio, o reverendo Sady Machado
da Silva, bispo metodista (NORMANN, 2015). Barros (1988) nos lembra
que essas manifestações vinham na direção de valorizar
as expressões culturais originais de grupos populares. Não
causa surpresa, pois, que Márcio tenha “um pé no templo” em sua
gênese musical.
Falar
de um artista local, de imenso potencial e talento, é sempre bom.
Significa dizer que o músico gaúcho, seja compositor, cantor ou
instrumentista, tem tantas qualidades quanto aqueles que estão no
centro do país, em que pese estejamos “longe demais das capitais”,
nas palavras de Humberto Gessinger. Apresentar a colegas o trabalho
de Márcio Celi, mesmo que já seja conhecido de alguns, é uma
alegria. Significa mostrar que há vida inteligente e talentosa em
palcos portoalegrenses e de tantas cidades de nosso estado.
Ilustração
2: o entrevistado e o entrevistador, após o show de 03/06/2017.
|
5
REFERÊNCIAS
Avila, A.; Bastos, C.; Müller, E. Gauleses irredutíveis: causos e atitudes do rock gaúcho.Porto Alegre, Buqui Livros Digitais. 212 p. 2012.
BARROS, L. M. (1988). A canção de fé no início dos anos 70: harmonias e dissonâncias.Dissertação de Mestrado em Comunicação Social, Universidade Metodista de São Paulo, 225 p.
CELI, M.de O. Da minha janela.Disponível em http://www.marciocelli.com.br/. Acesso em01/06/2017.
CRAVO-ALBIN, R. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível emhttp://dicionariompb.com.br/marcio-celi. Acesso em 05/06/2017.
NORMANN, C.A.B.M. Não me perguntes onde fica o Alegrete.Blogue“A Vida é Amiga da Arte. Disponível em http://cabmn.blogspot.com.br/2015/06/nao-me-perguntes-onde-fica-o-alegrete.html. 2015. Acesso em 08/06/2017.
RATNER, R.O rock gaúcho dos anos 80. BlogueOvermundo. Disponível em http://www.overmundo.com.br/banco/o-rock-gaucho-dos-anos-80. Acesso em 06/06/2017.
RIBAS, J.V. Pentagrama e o espírito de grupo dos anos 70. BloguePampurbana. Publicado em 14/04/2013. Disponível em http://pampurbana.blogspot.com.br/2013/04/pentagrama-e-o-espirito-de-grupo-dos.html. Acesso em 05/06/2017.
SOUZA, M.N. de. LONGE DEMAIS DAS CAPITAIS; MUSIPUC: UM (NOVO) MOVIMENTO MUSICAL EM PORTO ALEGRE NA DÉCADA DE 1970. Dissertação, Programa de Pós – Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, 2006. 117 p.
1 O
professor de violão das referidas aulas é o músico Cláudio Luiz
Miranda, que também foi meu professor.
2 Além
de bailarina, Morgada Assumpção Cunha é Educadora Física.
3 Tive
a oportunidade de assistir ao espetáculo do dia 03 de junho deste
ano, e a impressão que tive foi a melhor possível.
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