Moacir Santos, ou os caminhos de um músico brasileiro (resenha)
Bom, como de costume, gostei do que escrevi a respeito de dois capítulos do livro "Moacir Santos, ou os caminhos de um músico brasileiro", de Andrea Ernest Dias. O livro é baseado em seu trabalho de doutorado pela UFBA. O trabalho foi apresentado ao prof. Ms. Ayres Estima Potthoff como parte da disciplina História da Música III, no curso de Licenciatura em Música do Centro Universitário Metodista IPA, em maio de 2017. Autorizo o uso do trabalho, desde que não seja na forma a ser caracterizado como plágio, e sejam citadas fielmente as referências, inclusive do próprio trabalho em si. O uso integral no estilo "ctrlC-ctrlV", detectável por recursos eletrônicos, será caracterizado como plágio, e não está autorizado pelo autor do presente texto e gestor do presente blogue. Use com sabedoria e bom senso!
- Sobre a autora
“Creio que Moacir
Santos concordaria comigo. O que move um músico é a busca de um
som, este o ponto de partida para tantas situações diversas,
adversas, controversas, para reflexões, impulsos, para viagens
compartilhadas e prazeres na exploração de territórios
desconhecidos, intuídos e, por vezes, conquistados. Que busca é
essa que parece não ter fim? E o que não nos deixa vislumbrar um
fim?” (Dias, 2010)
A
flautista Andrea Ernest Dias é uma profunda conhecedora da Música
Brasileira, e uma dessas instrumentistas que faz ver que não há
limite entre a boa música popular e a boa música de concerto, a
qual teimamos em chamar de erudita. Doutora em Flauta pela Escola de
Música da Universidade Federal da Bahia (2010), Andrea cursou
Mestrado em Flauta na Escola de Música da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1992-1996) e Bacharelado em Flauta no Departamento de
Música da Universidade de Brasília (1980-1983). Flautista da
Orquestra Sinfônica Nacional e docente na UFF desde 1991, possui
experiência na área de Artes, com ênfase em Música, tendo
participado de inúmeros concertos e espetáculos. Como
instrumentista e produtora musical, está presente em importantes
títulos da discografia da música brasileira, erudita e popular
(Brasil, 2017).
O
talento vem do berço, já que é filha da flautista francesa
radicada no Brasil Odette Ernest Dias, profunda conhecedora da Música
Brasileira. Aliás, a mãe foi sua primeira professora de flauta,
como nos afirma Diniz (2003). Andrea atuou como solista e integrante
de conjuntos de diferentes formações, e apresentou-se, ao longo de
sua carreira, pelo Brasil e no exterior.
Em 1988 e 1991, participou do Free Jazz Festival, como integrante da Orquestra de Música Brasileira, de Roberto Gnattalli. Em 2000, destacou-se no III Festival Internacional de Flautistas e apresentou-se, com o grupo “Pife Muderno”, no Festival Brasil, em Caracas, e novamente no Free Jazz. Atuou em gravações com vários artistas como Caetano Veloso, Gal Costa, Zeca Pagodinho, Johnny Alf e Djavan, entre outros, e nos CDs "Orquestra Brasília", "Orquestra Pixinguinha" e "Pixinguinha 100 anos", os dois últimos indicados para Prêmio Sharp, em 1997 e 1998, respectivamente, nas categorias Melhor Grupo e Disco Instrumental. Ainda participou de várias trilhas sonoras para o cinema brasileiro, com destaque para os filmes "Tieta do Agreste", "O Quatrilho", "Pequeno Dicionário Amoroso" e "Quem Matou Pixote" (Albin, 2006).
Como solista, Andrea estreou e gravou, com a Orquestra Opus-Rio, o "Divertimento para Flauta em Sol e Cordas", do maestro Radamés Ganattalli. O foco do presente trabalho, no entanto, não é a instrumentista virtuose Andrea. Além de grande instrumentista, a flautista é profunda conhecedora e entusiasta pesquisadora da biografia de um dos músicos mais talentosos e menos conhecidos, pelo menos no Brasil. Uma pesquisa iniciada em 2007 sobre a obra de Moacir Santos gerou sua tese de doutorado e um belo livro, o qual resenharemos os dois primeiros capítulos (Cravo Albin, 2017).
Entusiasmada
com o verdadeiro Ouro Negro que é a obra do maestro Moacir, a
flautista idealizou o Festival Moacir Santos, que teve lugar em
Recife, no Teatro Santa Isabel, em 2013. No estado natal do mestre,
músicos brasileiros e estrangeiros tocaram e discutiram o trabalho
do compositor e arranjador. Nas palavras da própria instrumentista,
o evento representou uma “tradução sonora da tese, que reflete
sobre a relação entre popular e erudito a partir da obra de Moacir
Santos” (Cravo Albin, 2017).
- Capítulo 1: “Muacy, ave de arribação”
Como
nos lembra o trecho de Guimarães Rosa de “Primeiras Estórias”,
“tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos ou a
ausência deles”. A saga de Moacir Santos poderia ter sido escrita
por um certo dinamarquês de nome Hans Christian Andersen. Ambos
“patinhos feios” da vida, que os castigara cedo. A Andersen, a
perda paterna piorou a situação de empobrecimento da família do
sapateiro, e o lançou fora da escola. A Moacir, a mãezinha, como
ele mesmo menciona, velada por ele e sua família aos três anos de
idade. Ambos exemplos de superação e que, de certa forma, dão ares
autobiográficos em suas obras, contando suas sagas, seja em contos
repletos de sabedoria ou na densa música do maestro que veio do
agreste e conquistou o mundo.
Andrea
nos relata a origem de Moacir, em Serra Talhada, em uma época de
cangaceiros e volantes, de coronéis e beatas. Numa realidade dura
mas presente até hoje, ela nos lembra que o menino Moacir, até os
16 anos, não possuía documento algum que dissesse quem ele era.
“Diz, Oduduá, quem sou eu?”, clama o maestro em um de seus
temas, parceria com o grande Nei Lopes, sambista de primeira linha, e
que ganhou letra gringa por Ray Evans e Jay Livingstone. Ao perguntar
a um dos orixás da gênese, a canção, que ganhou excepcional
interpretação na voz de João Bosco sinaliza a busca de Moacir por
sua identidade. Cabe destacar que, quando descobriu sua gênese,
compôs “Agora eu sei”. Traduzir emoções e estados de alma é
algo constante na obra do mestre, sem sombra de dúvida!
Como
tanta gente no Brasil e no mundo, Moacir teve seu registro tomado a
partir de seu batistério, ainda uma forma fiel de se extrapolar com
certo grau de correção a idade dos sem papéis da vida. O padre
José Kelule grafara “Muacy” o nome do menino negro, aos 26 dias
de julho de 1926, filho legítimo (sic) de José Francisco do
Nascimento e Juleheita (Julieta, em grafia contemporânea) Pureza
Torre, afilhado de Antônio Narciso da Silva e Luiza Francisca do
Nascimento.
A
vida foi dura com o menininho negro. O pai, largara a família para
ir seguir volante, caçando cangaceiros. A mãe, morreu quando ele
tinha três anos. No dia do velório da mãe, ele e outras crianças
brincavam de banda. Bandas sempre foram a escola de música onde não
há escola de música. No nordeste brasileiro, as bandas de motivos
folclóricos e fanfarras de circo, na época, foram o estímulo para
o menino Moacir. Uma bandinha de meninos nus, nas palavras do mestre,
imitava as retretas que aconteciam na cidade, naqueles tempos. Ele
batia latinhas no quintal, e foi levado ao velório da mãe.
As
andanças de Moacir começam. De casa em casa, ele teve, na cidade de
Flores do Pajeú o letramento, destacando-se como aluno. A fome de
comida e de saberes era parelha. Claro, era praticamente empregado da
casa, buscando água e vegetais na horta. Ainda falamos de um Brasil
pós escravista, em que negros não tinham a plena cidadania. Falamos
de um Nordeste em que a mão negra, a carne negra ao açoite, era
responsável pela lavoura canavieira, no litoral, e em uma massa de
30-40% de escravos cativos fora da Zona da Mata. Trabalhavam na
subsistência, por derrubar a mata e trocá-la pela lavoura ou por
algo que as cabras pudessem ruminar. Moacir relata esse racismo nem
sempre velado, em que ele se levanta contra o preconceito que se lhe
impingia. Algo parecido com o que vários músicos sofreram, ao longo
dos anos, pelo simples fato de possuírem a pele negra...
Pois
e a música, onde entra na vida dele? Vimos a retreta de meninos
pobres e nus. Mas Moacir era mais. Ouvido absoluto, o abençoado
menino era extremamente exigente, mesmo ao produzir suas próprias
flautas de taquaras e outros materiais. Como falamos, as bandas da
época eram o que os conservatórios são nas cidades, ou seja, o
local que oportuniza o aprender do saber musical, democratizando a
educação musical. Herdeira dos músicos barbeiros do Brasil
Colonial e dos Impérios, a retreta, a bandinha é a primeira grande
vertente de Moacir. Claro, vários “não mexe” ao menino negro se
fizeram latir das bocas incompreensivas. Moacir era maior que isso.
Aprendeu a tocar vários instrumentos, talento único. Nada que um
ouvido absoluto e a obstinação não o façam...
Mas
o saber de ouvido teve também o desdém de pretensos senhores da
verdade. A “Artinha Musical” que lhe fora presenteada lhe inicia
ao saber daqueles sinais esquisitos e das linhas paralelas. A autora
menciona os mestres do menino Moacir, ao longo de suas andanças pelo
nordeste. O primeiro dinheiro ganho, tocando em festas católicas,
foi como trompista. Outra retreta, e mais dinheiro caindo em suas
mãos. E estamos falando de alguém com 13 anos.
O
saxofone logo lhe veio, com o aprendizado das manhas e técnicas do
instrumento. O desiludir com a fé católica também veio a partir do
padre estranhamente curioso ao confessionário. Afastado do
catolicismo, foi buscar em outras vertentes o espiritual, seja nas
religiões de matriz africana, ou na Teosofia de Helena Blavatsky.
Aos
14 anos, sai de casa. Numa saga de fazer inveja ao clássico de Cacá
Diegues “Bye-bye Brasil”, percorre o sertão, sempre catando a
sede das bandas locais, vindo a matar a fome de trabalho, de saberes
e de comida. Sua musicalidade abria portas que a fome lhe fechara. Os
favores de coronéis, encantados com sua arte, permitiam alguma
dignidade, em que pese não faltassem discussões e brigas em sua
biografia adolescente. Volta a Serra Talhada, e é apresentado a uma
novidade que viria a lhe marcar a paleta: jazz-band!!
Como
nos lembra o amigo Cesar Augusto Lopes (com. pes,) jazz-bands não
chegam a ser algo exclusivo do nordeste, ocorrendo também aqui pelo
sul. No caso de Moacir, a coisa toma um vulto diferenciado. A coisa
se encaixava dentro da política de boa vizinhança que os
estadunidenses tentavam estabelecer, a fim de angariar aliados para
combater nazistas e “make the Axis fall”, como diria o tema de
Charlie Fox para um certo seriado dos anos 70. Espere, eu falei
Coisa? Guarde essa palavra, para Moacir significa muito!
Voltando,
as jazz-bands, inusitado anglicismo em um local como o nordeste, que
logo passou a denominar a novidade de “jézi”, ou jázi”. Se as
filarmônicas eram solenes e pomposas, as “jézi” eram a alegria
de novidades, como o foxtrote, mesclado ao velho baião, ao maxixe e
tantos ritmos e temas já conhecidos. Tinhorão (1998) nos comenta
sobre o final da europeização e início da americanização da
música brasileira. E a “jezi” ganhou o gosto de Moacir.
Sempre
com os pés no chão, Moacir costumava ter algum lastro econômico em
empregos ditos formais à época. Os favores de poderosos lhe rendiam
pequenos cargos públicos, mesmo que contrariando sua vocação
inequívoca. Mas a música venceu, e, aos quinze anos, era diretor
musical de um Circo, viajando nordeste afora de um jeito que faria
inveja à trupe de Lorde Cigano e a Caravana Rolidey (sic). E vem
Salvador.
Na
capital baiana, já de posse de seus primeiros documentos, tentou a
sorte na banda da Polícia Militar. Claro, sem sucesso. Claro, a rua
volta a ser seu lar, entre redes e samburás. Nessa breve estada
soteropolitana, o contato com músicos do lendário Cassino Tabaris
(aquele que Chico Buarque menciona na canção “Bye-bye Brasil”,
parceria com Roberto Menescal – aluno do mestre, diga-se de
passagem) marcam o jovem Moacir, aprendendo com os gringos as manhas
do que viria a ser um de seus grandes instrumentos de vida.
E
as andanças seguem, Pernambuco, Crato. E a frase emblemática: “eu
toco saxofone, eu estou com fome, eu quero comer”! E o pão veio
trazido pelo virtuosismo de Moacir. O tempo segue, e uma amizade
desse período, com o trombonista Assis, que é seu parceiro em
“Amphibious”, choro feito pelos parceiros. O toque sofisticado de
Moacir encantou Recife, em sua volta, em 1943. E aparece o
“Saxofonista Negro”, elegantemente vestido e tocando de um jeito
mais elegante ainda. Um sax novo, presente do lendário Antônio
Maria (o mesmo compositor, diga-se de passagem) foi, entretanto, o
único benefício ao músico.
E
o racismo volta a dar suas caras, ao ser vetado, num primeiro
momento, para a Banda da Aeronáutica. Volta à estrada, alternando o
trabalho na fábrica de sapatos e a banda local. A jazz-band local
lhe rendeu o primeiro arranjo orquestral. E, a seguir, a PM paraibana
lhe vale o emprego como sargento-músico de primeira classe. E o
contato com o lendário Severino Araújo, regente da Orquestra
Tabajara lhe vale a abertura de portas.
Vem
a conhecer dona Cleonice, sua esposa e responsável por muitos passos
importantes de sua vida. Tanto que, em plena lua-de-mel, quando
migravam para o Rio de Janeiro, ela que lhe permitiu manter o foco e
não tentar-se a aventurar no Tabaris. E o patinho começava a
emplumar qual cisne negro. As idas e vindas de trabalhos, nem sempre
seguros, ficavam para trás. Uma companheira de vida, um rumo novo, a
então capital brasileira lhe sorrindo, apadrinhado por Severino
Araújo.
- Capítulo 2: “Sul Maravilha”
O
termo é bem conhecido de quem leu as tiras de Henfil e seu Capitão
Zeferino, entre tantos autores que mencionam o jeito nortista de ver
os estados ao sul do país, a partir de Rio de janeiro, São Paulo e
a Região Sul. Pois Moacir e Cleonice migraram ao Sul-Maravilha, onde
o mestre iria tocar. Salários mais polpudos, e nunca mais passara
necessidades. Aí resgato a teóloga mexicana Elza Tamez, e a
parafraseio ao dizer que, ao menos na casa dos Santos, “ninguém
ficará com fome”. Um favor de um político paraibano e o emprego
na Rádio Nacional, meca da música naqueles tempos. Se você acha,
meu amigo Moacir, que o destino lhe sorriu, espere um pouco. A vida
lhe reservou mais coisas, ave arribante!
O
grande momento do encontro com a Rádio foi o teste que ele foi
convidado a fazer. O sofisticado criar de Moacir, estampado em
“Cleonix”, “Riacoam” e outros temas seus, se reflete na frase
dos músicos: “o teste foi para nós, senhor diretor”. De fato,
Moacir lera e tocara tudo o que era colocado para interpretar. O
mesmo não se pode dizer das peças dele, apreciadas pelos
experientes músicos da consagrada rádio. Ele já dizia a que viera,
com certeza!
“Kamba”,
feita para Júnior, seu filho recém-nascido, já traz os traços
afro típicos de sua obra “superior” (o termo é muito usado por
ele, aliás). E segue-se uma época em que a fome de saber é
aflorada. César Guerra-Peixe e Hans Joachim Koellreuter tornam-se
seus mestres. Aluno obstinado, reservava toda uma agenda em que
estudava avidamente harmonia, contraponto, Bach, história da Música,
orquestração, piano. Teve outros mestres, como Newton Pádua,
Radamés Gnatalli e outros gênios. O que planejara como meta de
cinco anos de trabalho duro vem em menos tempo, e em três anos era o
músico completo que imaginara ser. A autora cita, um pouco adiante,
que Moacir sabiamente dividia seu tempo entre a pesquisa da música
negra, a erudita, a popular, unindo a harmonia da Europa ao espírito
e ritmo de África. Definira seu caminho de trabalho, sua linha de
pesquisador musical, de intérprete, de compositor. Nada mal para o
menino que batia latinhas nu, no sertão...
Em
um universo de nomes de origem italiana, o negro Santos se torna o
primeiro negro a reger a Orquestra da Rádio Nacional, com arranjos
intrincados para “Na baixa do Sapateiro”, de Ary Barroso. Os anos
50 trazem ao Brasil a televisão, e naturalmente Moacir Santos passa
a ser diretor musical da TV Record paulistana. No entanto, nunca
deixou o lado de valorizador da educação musical. Mentor de nomes
do peso de Baden Powell, Roberto Menescal, Nara Leão, Sérgio
Mendes, Carlos Lyra, Oscar Castro neves, Dory Caymmi, foi ao virtuoso
Baden Poweel que apresentou “uma coisa” ao piano. O que a
tradição europeia chamava de “Opus” o brasileiríssimo Moacir
Santos chamava de Coisas. Coisas lindas e intrincadas, suas obras
magistrais como compositor, notadamente influenciadas pelo mestre e
maestro Guerra Peixe.
Uma
das suas “Coisas”, a número cinco, seria gravado pelas meninas
baianas do Quarteto em Cy, com o nome de “Nanã”. O nome da orixá
dos pântanos, senhora dos portais de vida e morte, traz uma melodia
forte, com o forte traçado afro característico de Moacir.
Professor
rigoroso, influenciou os compositores bossanovistas, mesmo sem ter
participado ativamente do movimento entre seus criadores. Suas aulas
constavam de um programa que previa solfejo, violão, os ritmos MS,
contraponto, piano e leitura. Cabe-se destacar que os exercícios nos
Ritmos MS permitiram a criação de padrões rítmicos na bossa-nova,
como a autora apresenta nas partituras de ‘o Barquinho”,
“Berimbau” e “Rio”.
Criador exigente, seu
conhecimento de Música lhe permitia construir com tijolos encantados
sua música. Os baixos vinham dando o sustento a outras linhas,
criando uma pressão sonora única. As célula rítmicas, dando o
“mojo” típico de Moacir, sua marca registrada. A criação dos
blocos rítmicos são quase um DNA musical do mestre. A
autora do texto analisado, em sua tese de doutorado, nos lembra:
A originalidade da criação
de Moacir Santos, já um compositor com pleno domínio de suas
intenções e de técnicas de estruturação musical, surpreendeu ao
trazer para o jazz outra concepção rítmica, diferente do padrão
da bossa-nova, àquela altura projetado internacionalmente, o que lhe
deu repercussão e grande reconhecimento no mundo dos jazzistas. Um
de seus “pulos do gato” foi a criação do mojo,
o seu próprio padrão rítmico, constituído por células da ritmia
popular organizadas de maneira que se reconheça sua origem
brasileira, mas principalmente o identifique como uma marca complexa
e personalíssima (Dias, 2010)
O
metódico Moacir Santos, que, segundo o parceiro e amigo Vinícius de
Moraes “não és um, mas tantos”, diferia do amigo em seu método
de criação. Os arranjos de Moacir apareceram em álbuns como
“Vinícius de Moraes e Odete Lara”, e, em 1965, no seu primeiro
álbum, o aclamado “Coisas”, de 1965.
Sobre
seus contemporâneos, cabe destacar um diferencial. Ao contrário das
noitadas que terminavam em alvorecer na praia, regadas a pesadas
doses do cão engarrafado escocês, Moacir era caseiro, estudioso
obstinado. Certamente, por influência da Teosofia que lhe fora
apresentada, abstinha-se da “loca vida” do poetinha e seus outros
parceiros. Isso pode se dizer que fez a diferença, pois o método de
MS certamente lhe trouxe resultados profícuos. Acima dos reveses que
a vida lhe trouxe, nunca abraçou um coitadismo, era objetivo e tinha
metas, sempre.
- Concluindo
Ao contrário de outros
gênios, que perderam a vida mergulhados em intensa autopiedade, como
Mozart, Moacir Santos trilhou seus caminhos. Andrea Ernest Dias nos
apresenta uma vida apaixonante, onde não raro há lágrimas
escorrendo entre as leituras da cópia utilizada para o presente
trabalho. Indo além do que foi proposto, sabemos que Moacir Santos
foi um dos maiores arranjadores e trilhistas de todos os tempos. A
saga americana inicia em 1967, indo a Los Angeles para a estreia
mundial do filme "Amor no Pacífico", de sua autoria.
Estabeleceu moradia fixa em Pasadena, na Califórnia, onde viveu
compondo trilhas para o cinema e ministrando aulas de música.
Trabalhou com músicos do quilate de Henry Mancini e Lalo Schifrin.
Aliás, dizem as lendas que os temas “The pink Panther” e
“Mission: Impossible” teriam mais que suas influências rítmicas,
mas sua autoria. A estrutura do tema do seriado que virou franquia
cinematográfica, de fato, sugere um certo mojo moacirssantista. O
padrão de células rítmicas tem um certo DNA do arribante Moacir. E
fica a incógnita...
Moacir Santos faleceu em 6 de agosto
de 2006, onze dias após completar 80 anos. Cedo demais para um mundo
que precisa conhecer mais e mais de sua obra.
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