talento alheio - Fausto Wolff

Todo mundo sabe que eu prefiro blogar com o que eu escrevo. Ninguém tem Leão ascendendo ao céu zodiacal impunemente, com certeza... mas pra esse cara eu abro exceção. Me refiro a Fausto Wolff, ou melhor, Faustin von Wolffenbüttel, ou ainda, Nataniel Jebão.

Gaúcho de Santo Ângelo, cidadão do mundo, escritor, ator bissexto, o grandão de mais de 1 metro e noventa ainda lecionou Literatura em Copenhague e Nápolis. Lia, escrevia e compreendia os idiomas com que nasceu (alemão e português), os que aprendeu (inglês, italiano, francês e espanhol), e os que adivinhou (sueco e dinamarquês). Foi um dos pais do legendário Pasquim (mesmo exilado). Sobre ele, Millôr Fernandes escreveu:

“Nas esquinas escusas, bares escuros e becos-sem-saída da existência conheci semi-aventureiros, para-aventureiros e falsos-aventureiros. Dos que conheci, Fausto Wolff é o único verdadeiro. Mistura de Bukowski, Miller, macho gaúcho, criança grande (1,92) e desespero. Viajou o mundo – da Escandinávia ao Vietnam, do Oriente Médio às Ilhas Canárias. Com dinheiro, sem dinheiro, com ou sem documentos. (...). Em toda parte procurou os de sua estirpe – escritores, cineastas, poetas e grã-finas. E com os de sua laia – bêbados, putas e brigões.”

Faustão (assim ele era conhecido, antes que o apelido fosse incorporado a um certo globabaca) ainda escreveu em vários jornalões cariocas, sua obra foi objeto de trabalhos acadêmicos. Confesso que ele é uma de minhas inspirações literárias, por várias razões. Aqui, faço uma homenagem, clonando um lindo texto dele, disponível no endereço eletrônico: http://www.velhosamigos.com.br/Colaboradores/Diversos/faustowolff2.html



QUATRO NOTÍCIAS BREVES

Ao chegar em casa - rua Pereira Passos, 45, fundos, Penha -às 20 horas de ontem, o comerciário Angelo Augusto de Souza, 32 anos, dois filhos, comunicou à esposa Conceição, de 28 anos, que o patrão lhe concedera um aumento. Com ele, poderiam comprar a tão sonhada gaiola para o bem-te-vi que haviam adquirido há meses na Feira de São Cristóvão.
Conceição abraçou Angelo por um bom momento. Afastou-se um pouco dele e olhou profundamente em seus olhos - e seus olhos lhe diziam que ele a amava. Talvez não tanto quanto ela a ele, pois isso era impossível. Depois do jantar -pescadinhas com polenta - colocaram as cadeiras do lado de fora do chalezinho e ficaram vivendo de brisa enquanto esperavam as crianças pegarem no sono. Depois, foram para a cama e fizeram amor com muita delicadeza como se aquele momento pudesse ser quebrado de uma hora para a outra.
Luciano Lobo, eletricista, casado, morador no Méier, 32 anos, depois de assistir ao Fla-Flu no Maracanã, na noite de ontem, embarcou no seu velho Volks e dirigiu-se para casa. O Flamengo vencera, ele estava feliz e ansioso para gozar com a cara do sogro, que era Fluminense doente. Mal havia passado o triângulo Aldeia Campista, Tijuca, Vila Isabel, verificou que estava na cara do Morro da Formiga. Em seguida, o pneu estourou e ele foi obrigado a estacionar. Tirou o estepe e o macaco do porta-malas, que no Volks é na frente, quando se viu cercado por cinco homens que pareciam embriagados. Dois deles vestiam a camisa do Flamengo e ele suspirou aliviado. O mais forte ajudou-o a trocar o pneu e depois os cinco o convidaram para tomar umas canas na birosca logo na entrada da Formiga para festejarem mais uma vitória do rubro-negro. Beberam cinco copos de pinga que ele quis pagar.
- Quer ofender a gente, amizade?
Levaram-no de volta ao seu carro. Ele agradeceu e se foi feliz da vida gritando "Uma vez Flamengo, sempre Flamengo".

Carlos José Maurício Silva tem cinco anos e mora com os pais no Morro do Rato Molhado. Anteontem, aproveitando-se do fato de sua mãe, Amélia Teresa, estar conversando com a vizinha enquanto ambas lavavam roupas nos respectivos tanques, aproveitou para escapulir. Ao passar pelo lixão, viu uma bela pizza intacta. Nem mesmo um rato a havia mordiscado. Pensou em levá-la para casa, mas sua mãe poderia brigar com ele. Comeu dois pedaços ali mesmo. Naquela noite, passou mal. A mãe pediu o termômetro emprestado para a vizinha e verificou que a febre de Carlos José passava dos 40 graus. Um vizinho se ofereceu para levar o garoto no Rocha Faria, onde foi prontamente atendido por um médico jovem chamado Ismael Cardoso e enfermeira muito simpática, chamada Esmeralda Terra. Ambos passaram a noite inteira ao lado do menino, que, em seu delírio, perguntou se Esmeralda era Nossa Senhora. Depois de vomitar, Carlos José recebeu sangue e soro nas veias. A pizza havia sido coberta por veneno de rato e a possibilidade de o garoto escapar era mínima. Graças, porém, às orações da mãe, ao decisivo auxílio do vizinho e ao dedicado trabalho dos médicos e enfermeiros, pouco antes do meio-dia do dia seguinte a febre começou a ceder e, uma hora depois, foi declarado fora de perigo.
A velhinha entrou no banco pela primeira vez depois da reforma. Ficou impressionada com o número de máquinas. Era dona Teresa Pereira, professora aposentada, 82 anos, moradora de um pequeno apartamento conjugado no Lido, em Copacabana. Foi até o caixa eletrônico, mas, depois de olhar durante algum tempo para a tela, desistiu. Perguntou pela gerente, uma senhora bonita, de seus 35 anos, chamada Luiza. Foi prontamente atendida. Deu o número de sua conta e informou que queria tirar um pouco de dinheiro da poupança para comprar um uniforme de escoteiro para o neto. Infelizmente, esquecera da senha e não lembrava onde a havia anotado. A gerente mandou um contínuo trazer um cafezinho. Providenciou uma nova senha e ficou 15 minutos explicando à dona Teresa como a coisa toda funcionava. Ela, finalmente, entendeu e disse à Luiza, a gerente, que havia sido tratada tão bem como mostrava a televisão. A gerente perguntou a Adão, um segurança enorme cujo turno havia acabado, se ele poderia acompanhar dona Teresa até sua casa, o que ele fez com muito prazer.
PS - Os mais jovens podem duvidar, mas o Rio de Janeiro já foi assim. Hoje não se publicam notícias como essas porque elas são muito raras e, afinal de contas, tratam apenas da vida como ela poderia ser.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

histologia da próstata masculina

histologia - pulmão

Pealo de Sangue: considerações sobre o autor e a canção