oi, gordinho!
Todos que me conhecem sabem que tenho alguns arquiinimigos: balança, cinto, numeração de calça, apetite, enfim, todos os ingredientes que me obrigam a praticar alguma forma de esforço físico continuado, sob pena de sentir os botões de minhas camisas estufando e ter que fazer outros furos do cinto. A cada sessão de esteira, domo a fera gulosa interior com gasto energético e doses de endorfina que aplacam a vontade de avançar selvagem sobre bufês.
O fato de ser um obeso não é aplacado por exercícios ou dietas. Recentemente, se descobriu que a química encefálica de obesos difere daquela dos não obesos. Quem, como eu, sacia-se com duas, três voltas no bufê ou na mesa, tem que lançar berros neuroquímicos para que os neurônios ligados à sensação de recompensa e saciedade sejam ativados, e assim aplaque-se a sensação de apetite. Isso não me deixa diferente de um etilista, de um cocainômano, de um tabagista ou de um usuário de cannabis. O que diferencia é que não vejo a PM dar "geral" em quem está com a boca suja de chantili ou chocolate...
Minha terapia está na academia, na pista de caminhada, em aparelhos e pesos. O supino devolve a auto-estima, modela com a ajuda da mágica e lícita droga chamada endorfina o meu peitoral e minha gula. A esteira me permite queimar calorias, concedendo para mim o estranho prazer de trotear sobre a lona, ouvindo o impacto de meus passos pesados como galope de cavalos. Permito-me experimentar meus limites. Assim, começo a tracionar pesos maiores que os recomendados pelo instrutor, vendo onde vivem meus limites indo por terra, trocados por uma dor quase prazerosa de contrair o tríceps, os posteriores da coxa e os outros grupos. O longo banho sinaliza um começo ou final de dia repleto de endorfinas. O cheiro de colônia substitui o cheiro láctico do suor e acorda para o dia...
No entanto, fica o estigma. Se vemos uma pessoa bebendo além da conta, logo os pejorativos brotam. Bebum, pé-de-cana, cachaceiro, pinguço, todos ignorando a pessoa doente que ali entorpece neurônios com o álcool. O mesmo vale para outras drogas: tabaco, maconha, cocaína...e comida. Sim. Tantas vezes os olhos inclementes, tanto de gordinhos quanto de magros, fulminam pessoas que atacam a comida como sua tábua de salvação. É pejorativo o substantivo gordo-gorda. Várias vezes, fui a lojas, tentado por preços convidativos de suas mercadorias. Contudo, mesmo que pudesse pagar as roupas ali vendidas, ouvi lacônicos “ah, não tenho sua numeração”, entremeados por olhares cruéis e quase risonhos.
Às vezes, pessoas de nossos círculos mais íntimos despejam frases nada gentis, como “bah, engordou, hein?” ou mesmo despejam apelidos cruelmente estigmatizantes: vitaminado, fortinho, gordinho, fofinho. É como se eu começasse a chamar cadeirantes de “aleijadinhos”, alcoólatras de pés-de-cana, e por aí vai...
Ser obeso não é uma escolha, na maioria das vezes. Podemos creditar a multifatores: genética, sedentarismo, vida estressante, tantas as causas. Não as podemos ver como desculpas, mas como pistas para tentar tratar com seriedade científica o caso, e não com culpa, ódio raivoso ou pré-conceito. Palavras cruéis são punhais afiados, que marcam fundo e magoam. Incentivos, são asas de anjos que nos erguem e motivam.
Sou obeso. E acabo de treinar alguns minutos, em aparelhos, para seguir lutando contra o inimigo que mora em meu encéfalo. Estou tentando lutar e vencer. E você que sofre de burro preconceito, qual o tratamento para tanta idiotice incurável?
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