DEGRADAÇÃO PROTEICA: PROTEASSOMOS

Carlos Augusto B.M. Normann
(Original publicado em NORMANN, CABM (ORG.) Práticas em biologia celular. 2. ed. Porto Alegre: Sulina; Porto Alegre: Editora Universitária Metodista IPA, 2017. 303 p.)

INTRODUÇÃO


Inclusões citoplasmáticas neuronais imunorreativas à ubiquitina nas camadas profundas do neocórtex cerebral (A e B). As inclusões variaram em forma e incluíram formas redondas (C), ovais e crescênticas (D). Imuno-histoquímica de ubiquitina. Barra de escala; A, 75 m; B, 38 m; C e D, 8 m m. Original? McKenzie et al, 2008. Atypical frontotemporal lobar degeneration with ubiquitin-positive, TDP-43-negative neuronal inclusions. Brain 131 (Pt 5):1282-93 · June 2008.


A degradação proteica pode ocorrer nos lisossomas, endossomas secundários, no retículo rugoso e no citoplasma. Pode ocorrer pela ação de proteinases das mitocôndrias, das membranas, pode estar ligadas às enzimas denominadas caspases, ou depender do cálcio, como é o caso das calpaínas, que degradam moléculas do citoesqueleto, ajudando em seu reciclo. A célula apresenta, pois, mais de uma forma de reciclar proteínas. Uma delas envolve o marcar as proteínas para degradação, dirigindo-as a um complexo enzimático de desmanche proteico. Os proteassomas são esses complexos enzimáticos citoplasmáticos, compostos por diversas classes de proteases dispostas em torno de um conduto central. As proteínas citossólicas, quando danificadas, mal dobradas, desestruturadas ou com aminoácidos oxidados, são degradadas no cilindro do proteassoma, onde estão os sítios ativos das proteases, gerando oligopeptídios de vida curta.

Visão resumida dos sistemas intracelulares de proteólise.
As proteínas a serem degradadas são endereçadas aos proteassomas pela marcação com a ubiquitina. A ubiquitinação é um processo de modificação pós-traducional de proteínas. Composta por 76 aminoácidos, a ubiquitina é uma proteína que pode ser conjugada às proteínas-alvo de forma única ou em cadeias de poliubiquitinas (conjugação adicional de ubiquitinas) e essa marcação pode sinalizar para mecanismos proteolíticos ou não proteolíticos. Os primeiros incluem a degradação proteassômica para a eliminação de certos substratos visando à progressão adequada do ciclo celular, regulação transcricional, controle de qualidade das proteínas, correta transdução de sinais e ritmos circadianos. Dentre os mecanismos não proteolíticos se encontram a endocitose de proteínas, tráfego intracelular, regulação da transcrição mediada por cromatina, reparo do DNA e interligação dos complexos de sinalização. O processo de ubiquitinação ocorre basicamente em três etapas: 1), A enzima ativadora de ubiquitina (E1) possui um resíduo cisteína que é ligado ao resíduo C-terminal da ubiquitina, formando uma ligação tioéster. Essa reação necessita de adenilação de um resíduo glicina da ubiquitina pela ligação de um AMP proveniente da hidrólise do ATP, liberando pirofosfato. 2), Uma vez conjugada à E1, ocorre a transferência da molécula de ubiquitina para uma cisteína da enzima conjugadora (E2), formando outra ligação tioéster; e, 3), finalmente, a enzima ubiquitina-ligase (E3) é capaz de se ligar tanto na E2 como à proteína alvo de maneira a catalisar a ligação da porção C-terminal da molécula de ubiquitina na porção amina de uma lisina presente na proteína alvo. Um dos sinais para a ubiquitinação é a presença de resíduos desestabilizadores na porção N-terminal, mas outros sítios para ubiquitinação existem também na porção C-terminal. Depois de marcadas, as proteínas entram nos proteassomas pela abertura do cilindro, que é parcialmente tampada por um complexo proteico que parece funcionar como um filtro seletivo das proteínas que devem entrar no conduto central do cilindro.

O processo de degradação proteica, no interior do proteassoma, consome energia, oriunda da hidrólise do ATP. Depois de degradada a proteína, as ubiquitinas e o proteassoma são liberados e podem ser reutilizados. Existem muitas cópias de proteassomas nas células. O proteassoma permite que a concentração de diferentes proteínas seja modificada rapidamente, de acordo com as demandas funcionais da célula. Assim, certas proteínas têm um curto período de meia-vida, enquanto outras têm sua meia-vida prolongada, por possuírem aminoácidos especiais na sua porção N-terminal que impedem a ubiquitinação.

Um exemplo está na transição da metáfase para a anáfase; a degradação de coesinas (proteínas que mantêm as cromátides-irmãs juntas) é fundamental para a distribuição das cromátides entre as células-filhas e a manutenção da ploidia correta. No entanto, a ubiquitinação de proteínas também serve para modificá-las, ao invés de ativar sua degradação; como exemplo temos a ubiquitinação da histona H2A. Embora relativamente recentes, estudos mostram que a degradação pelo eixo ubiquitina-proteassomo parece afetar praticamente todos os processos celulares.

A sinalização por ubiquitina e suas cadeias tem um papel não-proteolítico no transporte via membrana, na estrutura e transcrição da cromatina, no reparo do DNA e em diversas outras vias sinalizadoras. Como vimos, ao contrário de outras vias de degradação proteica, a ubiquitinação envolve consumo de energia. A degradação proteica é feita em uma série de etapas que resultam na ubiquitinação da proteína a ser destruída; esse processo permite que a célula elimine proteínas de modo bastante específico, e é essa regulação que exige hidrólise de ATP.

Tanto a ubiquitina como sua via proteolítica participam de diversos outros processos celulares; a ubiquitinação da ciclina em G1 mitótico ajuda a regular o ciclo celular; é responsável por estimular a diferenciação dos linfócitos T e B. A ubiquitina desempenha papéis na biogênese ribossomal, na modulação de receptores celulares, na expressão gênica, no reparo do DNA, em resposta ao estresse, na neurogênese, na memória de longo prazo, nos ritmos circadianos e em determinadas patologias, como o mal de Alzheimer. A ubiquitina participa da mitose, dando direcionalidade a ela, por meio do APC (Anaphase-Promoting Complex), uma enzima E3 que provoca indiretamente a degradação da coesina, um complexo que mantém as cromátides-irmãs unidas, permitindo assim a separação delas. A via proteolítica da ubiquitina-proteassoma difere das demais vias proteolíticas devido a seu consumo de ATP.

Há cinco alvos principais da ubiquitina:
1. Receptores da membrana plasmática;
2. Moduladores de crescimento e supressores de tumor;
3. Ativadores e inibidores da transcrição;
4. Reguladores do ciclo celular;
5. Proteínas mutantes ou danificadas.

Trinta por cento das proteínas recém-sintetizadas de uma célula são quebradas via proteassomas por não terem sido aprovadas pelo rigoroso controle de qualidade celular. Sabe-se que as chaperonas atuam no reconhecimento de proteínas mal dobradas. Essas proteínas auxiliam no correto dobramento de outras proteínas nascentes; diversas chaperonas necessitam de ATP, e algumas proteínas são dependentes de chaperonas para atingirem a conformação adequada. Há evidências de que as chaperonas participem ativamente do processo de ubiquitinação, interagindo com as enzimas E3, que ligam a ubiquitina à proteína-alvo, sugerindo que a chaperona seja a responsável pelo reconhecimento e marcação.

Outro sistema de grande importância para o reconhecimento de proteínas malformadas é conhecido como ERAD (Endoplasmic reticulum-associated protein degradation), responsável pela degradação de proteínas formadas no retículo endoplasmático, e também realizado com ajuda de chaperonas.

Após sua ubiquitinação, as proteínas são mandadas para o citoplasma, onde encontrarão o proteassoma. A ubiquitinação de uma proteína ocorre em etapas e envolve 3 enzimas, chamadas de E1 (enzima ativadora da ubiquitina), E2 (enzima conjugadora) e E3 (ubiquitina ligase).

O processo consome 1 ATP para a ativação de cada molécula de ubiquitina e também no desdobramento da proteína realizado pelo proteassoma. A via da ubiquitina-proteassoma consiste nas seguintes etapas:

1. Ativação: A enzima ativadora E1 ativa a molécula de ubiquitina, pela ligação do resíduo C-terminal da ubiquitina a um resíduo de sulfidrilcisteína da enzima E1. Isso ocorre na presença de Mg2+ e com o consumo de 1 ATP, liberando AMP e pirofosfato.

2. Transferência: A ubiquitina é transferida para a enzima E2, liberando a enzima E1.

3. Reconhecimento: A enzima E3 reconhece e se liga à proteína alvo formando um complexo não-covalente.

4. Ubiquitinação: O complexo E2-ubiquitina é ligado a E3 de modo que a ubiquitina seja transferida de E2 para o alvo.

5. Liberação: a enzima E3 se solta, liberando a enzima E2 e a proteína ubiquitinada.

6. Poli-ubiquitinação: As etapas 3, 4 e 5 se repetem várias vezes, formando uma ou mais cadeias de ubiquitina.

7. Reconhecimento: a cadeia de ubiquitina é reconhecida pelo proteassoma. A proteína marcada é desubiquitinada por enzimas próprias, e desdobrada com consumo de ATP. Após hidrólise, forma pequenos peptídios, de vida curta, com 7 a 9 aminoácidos. A enzima E3 (ligase) é a responsável pela especificidade da ubiquitinação, sendo capaz de reconhecer e marcar um certo conjunto de substratos.
visão esquemática do processo de ubiquitinação/degradação proteica.


A ubiquitinação é reversível; as desubiquinases competem com o proteassoma, removendo ubiquitinas terminais da cadeia ou a cadeia inteira. Considera-se que essa competição entre proteólise e desubiquitinação forneça um certo nível de controle de qualidade ao sistema, uma vez que a reubiquitinação confirma o reconhecimento da proteína por degradar.

A ubiquitinação é reversível, mas não a proteólise. Essa assimetria permite impor direcionalidade ao sistema, permitindo assim, por exemplo, o ciclo celular. O mau funcionamento da ubiquitinação leva a estados patológicos, seja porque não está degradando proteínas indesejáveis, ou porque está as degradando muito rapidamente. Enzimas conhecidas como deubiquitadoras, deubiquitinases (DUBs) ou isopeptidases podem ainda remover moléculas de ubiquitina ligadas às proteínas. Como resultado das atividades das DUBs, a ubiquitina modifica proteínas de modo transitório. Este processo de modificar dinamicamente as proteínas com ubiquitina cria parâmetros funcionais reversíveis de um substrato, que permite controlar numerosos processos celulares. Adicionalmente, algumas DUBs como a A20, têm dupla função: além de serem capazes de retirar moléculas de ubiquitina (pelo seu domínio N-terminal) ligadas em resíduo Lys63, elas podem, alternativamente, ligar outros monômeros (pelo resíduo C-terminal) em resíduos Lys48 e, dessa forma, controlar não só o destino da proteína modificada na sua via de sinalização, como direcioná-la para a degradação pelo proteassoma. É dessa forma que esse tipo de proteína controla a sinalização inflamatória induzida por TNF- ou TLR4 modificando os destinos de TRAF6, RIP1 e IKK e bloqueando a citotoxicidade e apoptose induzida por ela.

p53, HPV e câncer de cerviz: p53 é degradada pela via da ubiquitina normalmente. Danos no DNA ativam a fosforilação de p53, inibindo a ubiquitinação. Níveis altos de p53 levam a uma interrupção do ciclo celular para que o DNA seja reparado. Se o dano for muito extenso, a célula dispara a apoptose prevenindo a propagação do erro. O vírus HPV consegue modificar uma proteína E3, a E6-AP, para que ubiquitine a proteína p53. Dessa forma, ela impede a reparação celular e leva à formação de tumor no cérvix uterino.

Reações imunes: Um fator de transcrição responsável pela reação imune é ligado a um inibidor enquanto está no citoplasma. Quando a célula é exposta a bactérias ou substâncias sinalizadoras, a proteína inibidora é fosforilada, permitindo sua ubiquitinação e a liberação do fator de transcrição, que é transportado para o núcleo e ativa alguns genes. A proteólise de proteínas virais produz peptídios que se apresentam na superfície de células infectadas, permitindo seu reconhecimento pelos linfócitos T.

Imunomodulação: Fragmentos de ubiquitina extracelulares são capazes de diminuir a resposta imunológica, com efeito comparável à ciclosporina A ou FK506, drogas amplamente usadas após transplantes de órgãos.

Imunohistoquímica: Anticorpos de ubiquitina são usados para identificar acumulação anormal de proteínas dentro das células, como no mal de Alzheimer e de Parkinson. Exemplo: o anticorpo PARK2 (Proteína 2 Parkinson, E3-Ubiquitina Proteina Ligase (Parkin)), utilizado na identificação de antígenos ligados à doença de Parkinson.

Um interessante exemplo do papel do proteassoma foi observado por Silva-Jardim (2001), em Leishmania chagasi. Em proteassomas de Leishmania chagasi parcialmente purificados, verificou-se que a função da estrutura no parasita intacto é necessária para a sua replicação e sobrevivência no interior da célula do hospedeiro vertebrado.

Sobre a inibição dos proteassomas, há intensa pesquisa em seu uso clínico. Os inibidores de proteassoma podem atuar em doenças como diferentes tipos de câncer e várias aplicações em outras pesquisas. Bortezomib, também conhecido pelo nome comercial Velcade, é um medicamento aprovado pela FDA e pela ANVISA e utilizado contra mieloma múltiplo e linfomas de células do manto. Também é utilizado em pesquisas como inibidor proteassômico. Existem outros inibidores de proteassomas com potencial terapêutico e que estão em fase de estudos clínicos, como Disulfiram, Epigalocatequina-3-galato, Salinosporamida A, Carfilzomib, ONX0912 (Oprozomib), CEP-18770 (Delanzomib) e MLN9708 (Ixazomib).



O proteassoma faz parte da funcionalidade celular, então inibidores protessômicos como o MG132 são tóxicos para células e tecidos e podem causar morte celular em altas concentrações ou após um tratamento prolongado. É aconselhável titular a concentração ótima com uma faixa significante. Esta concentração ótima não depende apenas do tipo celular, mas também dos parâmetros de cultura como a confluência celular, concentração sérica e composição do meio.

Também nos distúrbios associados à obesidade podemos ter participação do sistema de ubiquitinação proteica. A inabilidade de alguns neurônios em prevenir o acúmulo de proteínas ubiquitinadas em inclusões neuronais pode levar à neurodegeneração por meio da indução de resposta inflamatória. Essa resposta pode ser o fator gerador, ou ainda ser desencadeada pela expansão de agregados proteicos anormais no espaço nuclear e citossólico, que não foram devidamente degradados pelo sistema proteassomal. A importância desses sistemas proteostáticos nas mais diversas vias fisiopatológicas começaram a ser caracterizadas na última década, quando os mecanismos de dano celular foram estreitamente conectados com a sobrevida e metabolismo dessa célula. Foi nesse contexto que o trabalho de Ryu, Sinnar et al. (2008) caracterizarou um fenótipo de normofagia, hiperleptinemia e obesidade na idade adulta de animais experimentais que sofreram a deleção do gene Ubb, o qual é encarregado de codificar as ubiquitinas. O knockout gênico provocou perda de 30% de neurônios predominantemente do núcleo arqueado, colocalizando proteínas ubiquitinas e neurônios produtores de NPY, AgRP e POMC, associadas a gliose persistente além de distúrbios no sono.



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