recomendamos!
Pessoal, uma dica de livro é o genial "Caviar é uma ova", do Gregório Duvivier. O cara é o seguinte: filho da cantora Olivia Byington, irmão de João, Bárbara e Theodora, é uma das grandes luzes do humor brasileiro. Um humor ácido, gauche e engajado desse PSOLeiro de primeira hora, que bem tentou colocar o Marcelo certo na Prefeitura do Rio, não aquele genérico que elegeram (como, cariocas????). Curto o que ele escreve - e bem na Folha, é uma fantástica fonte de ideias e lembra sempre que a lutcha continua, cumpanheiro, e, antes de mais nada, Fora Frankstemer!. Seus textos elogiados pelo mestre Millor Fernandes tem um quezinho do velho Pasca carioca, com pitadas generosas de Sérgio Porto, a inteligência de um Veríssimo (os dois, acho-os geniais) e uma acidez estilo Angeli. Ou seja, é bom pra caceta! Formado em Letras pela PUC-RJ, seu trabalho no Porta dos Fundos é genial, dando porradas na sociedade em quem merecer, é simplesmente genial!!!
Em meio a sua genial verborragia deliciosamente ácida, tem uma pérola de doçura, pois, lembrando o dr. Ernesto Guevara, "hay que endurecerse sin perder la ternura jamás". É quando dedica suas palavras ao mano mais velho, o João. João nasceu com a tal síndrome de Apert. A
síndrome do João é rara, mais ou menos um nascimento a cada 160 mil. De
1981 até hoje, foram em torno de 20 cirurgias para corrigir – ou
amenizar – todo tipo de problema. Felizmente, a situação econômica da
família pôde garantir as condições para o menino se desenvolver com
limitações, mas sem limites.
Passado o grande susto, a vida foi entrando nos eixos. João adora carros, conhece todas as linhas de ônibus. É amigo dos
motoristas e vai e volta em intermináveis conversas, rema, nada e pedala muito, cruza o Rio de
Janeiro em uma bicicleta adaptada que, obviamente, já foi roubada.
Pros babacas que acham que pessoas com síndomes são "coitadinhas", lamento informar, mas Joãozinho trampa, foi funcionário de uma ONG e é assistente de alguns
filmes, soldado do tipo “missão dada é missão cumprida”. E namora. Namora uma gatinha Apert, que nem ele. E são felizes. Ah, escreveu um livro ilustrado pela mãe Olívia, cuja voz eu admiro há um tempão (catem no youtube suas versões pra Lady Jane e pro palhaço de Gismonti, são de agradecer a Deus por estar ouvindo...)
Mano Gregório escreveu, e tá lá no livro, no trecho que li pra Karina, em meio a lágrimas de ambos: “(…) Ele tinha as mãos
diferentes, mas os seus dedos juntos pareciam pra nós mais uma qualidade
do que um defeito: pensávamos que deviam servir para algumas coisas,
como nadar ou agarrar bolas no futebol. (…) João pulava da cama às seis
da manhã pra remar, sabia de cor todas as linhas de ônibus e seus
trajetos, comia mais que todos nós juntos e não engordava. Nunca ouvi,
lá em casa, a palavra deficiência. Ouvíamos muito a palavra diferença,
foneticamente tão parecida, mas semanticamente tão distante”.
O título do livro é um caso à parte. O cara é de família com recursos, inegável. Poxa, meu tio morava numa rua cujo nome era justamente o sobrenome do moço e de seu pai e parentada, lá em Copacabana, a mesma rua do Beco das Garrafas da Bossa Nova. O termo "esquerda caviar" é usado para desqualificar pessoas com conceitos sociais bem firmados, mas de origem mais abastada, ou com padrão de vida acima da média-pão-margarina de todo dia. O próprio Gregório afirma que "é exatamente porque eu tenho privilégio que eu me preocupo com
quem não tem e quero diminuir a desigualdade". Uma sutil porrada em quem acha que ser de esquerda é necessariamente ser aspirante a pedinte. A coerência de Gregório nos remete a Cazuza, quando ele fala do "bom burguês":
"Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos..." (Burguesia, de Cazuza, Jorge Israel e Ezequiel Neves, gravada pelo autor em 1989)
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos..." (Burguesia, de Cazuza, Jorge Israel e Ezequiel Neves, gravada pelo autor em 1989)
Quer uma leitura legal de um cara show de bola, inteligente, crítico e amoroso? Leia "Caviar é uma ova" e seja feliz. Vale muito essa leitura!
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