ela, a dona Maria!
De
uns tempos pra cá, aprendi que, com cerveja, vale a máxima: menos é
mais. Explico: prefiro tomar doses mais comedidas de BOA cerveja do
que encher a caveira de algo que me deixará de ressaca, com
barriguinha e que não seja tão saborosa assim. Aí tem as chamadas
artesanais. Uma delas eu destaco por várias razões. É de Porto
Alegre, foi desenvolvida por um chegado meu, é extremamente rica de
sabores e de quebra tem uma garrafa super transadinha!
Falo
da Maria Degolada. Ainda ontem derrubamos uma preciosa garrafa dessa
ceva. O nome vem de uma lenda urbana porto-alegrense. Maria
Francelina Trennes era uma jovem alemã que residia em Porto Alegre.
De profissão, a mais antiga de todas. É, aquela que você está
pensando. Nascida por volta de 1878, foi falecida em 12 de novembro
de 1899.
Prostituta,
foi morta pelo namorado, um ciumento soldado da Brigada Militar. O Sd
Bruno Soares Bicudo, num rompante de ciúmes, durante um piquenique
no então Morro do Hospício (referência ao glorioso Hospital
Psiquiátrico São Pedro, pros que não são iniciados na geografia
de Porto Alegre). O casal se afastou de outras pessoas e começou um
sonoro bate-boca. Maria se defendeu com um cano de ferro, Bicudo
passou um facão em seu pescoço, degolando Maria ao pé de uma
imensa figueira.
Claro
que a imprensa de Porto Alegre deu manchetes ao terrível fato.
Bicudo, preso e condenado, morreu na cadeia. No local do martírio de Maria, pouco tempo depois da morte de Bruno Bicudo, um forte
vendaval fez tombar a figueira. Os moradores da região construiram
uma pequena capela no local em homenagem à Maria, que passa a ser
conhecida como Maria Degolada.
Com
o tempo, começaram a aparecer relatos de pessoas que fizeram
"pedidos" à Maria e foram atendidos. Ela começa a tomar
status de "santa" e atrai os mais variados tipos de
devotos. Menos de brigadianos... Conta a lenda que, um belo dia, um
policial visitou a capela e fez um pedido para Maria Degolada. Queria
conquistar uma antiga paixão. Ao sair do local e descer o morro, ele
foi brutalmente assassinado por um interno que havia escapado do
Hospital psiquiátrico. Foi quando ficou claro as regras da "santa".
Um belo dia, uma sessão espírita foi conduzida no local e Maria
manda uma mensagem a todos. Ela não queria ser conhecida como Maria
Degolada e sim pelo seu verdadeiro nome. Hoje, é o Morro da Maria da
Conceição.
O
folclore que a cercou desde o início continua em desenvolvimento, e
novas versões sobre seu assassinato continuam a surgir,
acrescentando muitos detalhes fantasiosos sobre sua vida. Ao mesmo
tempo, sendo morta por um policial, ela se tornou um símbolo de
resistência contra a exclusão social, enquanto santa prostituta, e
contra a opressão do poder público, numa comunidade pobre que se
autodefine como "periférica" e "marginal".
Corta
para 2007. Os irmãos Caon, Guilherme e Glauco, este colega nosso de
faculdade, resolveram deixar de ser gastadores com cerveja e virar
criadores do precioso líquido. Profissionalizaram, criaram a Anner,
cervejaria artesanal. A ceva tem o estilo tripel, de origem nas
abadias trapistas da Europa. Como era feita por padres, a receita
caiu feito luva para a santa urbana do morro. A receita foi
originalmente criada para o aniversário de um dos cervejeiros. Sua
fórmula foi considerada em 2013 uma das 500 melhores cervejas do
mundo pelo crítico de cerveja e jornalista do The Guardian Ben
McFarland. O rótulo icônico é de autoria da mãe dos guris, a
gravurista Olga Caon. Nela é representada a Maria Degolada
caminhando nas ruas da vila vestida de noiva e segurando sua própria
cabeça.
O
resultado de tudo isso é uma cerveja com teor alcoólico de 11,1%,
beeeem forte, licorosa, condimentada, de cor acobreada, espuma baixa
e persistente. O uso do gruit, ou seja, a mistura de ervas que, na Idade Média, condimentava a ceva, o que hoje se faz mais com o lúpulo, aliado ao próprio lúpulo, e não substituindo-o, faz dela uma cerveja
bastante complexa. Recomendo apreciar solita, um petisquinho no
máximo pra fazer lastro, ou com pratos ricos e de sabor muito
marcado, como massas ao pesto ou puttanesca. Uma calabresa picante cai legal! Realmente, é uma ceva
para contar e saber de histórias. Saúde, Glauquito! Saúde, Maria!!
Maria Francelina Trennes. Mas podem me chamar de Degolada (brrr!) |
aprecie bem gelada, com bom papo, ótima companhia e um bom belisco, pois Maria é power!!!! |
Meu queridíssimo Guto!
ResponderExcluirdesde Qatar, onde ontem à noite pisei a primeira vez, prelibo possibilidades de experimentar ao retorno uma Maria Degolada. Melhor que sonhar com a cerveja, já agora sorver um excelente passado de nossa Porto Alegre.
O blogue tem relatada a cada dias fragmentos de minha viagem,
Acolho companhia
mestre,
ResponderExcluirLhe brindaremos em Porto Alegre com uma generosa tulipa da dona Maria. Até porque o degustar de bebidas alcoólicas em público, no Qatar é considerado uma ofensa às leis locais...