ao mestre Bauman, com carinho...

E o ano de 2017 promete... nem fechamos a primeira dezena de dias, e o tempo começa a cobrar a conta. Nesta segunda, o sociológo e filósofo polonês Zygmunt Bauman morreu, aos 91 anos, em Leeds, na Inglaterra, onde residia há anos. Bauman foi um dos pensadores chave do século XX e se manteve trabalhando até seus últimos momentos. É dele o conceito da "modernidade líquida", que abriu um vasto campo de estudos para diversas áreas. É de 1999 sua ideia da “modernidade líquida”, na qual, para ele, "tudo que era sólido se liquidificou", e que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso”. Bauman se tornou uma figura de referência da Sociologia. Suas denúncias sobre a crescente desigualdade, sua análise do descrédito da política e políticos e sua visão nada idealista do que trouxe a revolução digital o transformaram também em um referencial para o movimento global dos indignados, apesar de que não hesita em pontuar suas debilidades.

Em sua biografia, constam extensas reflexões sobre a sociedade e as mudanças do mundo atual, discutindo também como as relações atuais na sociedade tendem a ser menos frequentes e duradouras. Bem que eu falei pra Ká, "compra a biografia dele".... ela comprou, felizmente.

Zygmunt Bauman nasceu em Poznan em 19 de novembro de 1925. Era criança quando sua família, judia, fugiu para a União Soviética para escapar do nazismo. Já em 1968, teve que abandonar seu próprio país, desempossado de seu posto de professor e expulso do Partido Comunista em um expurgo marcado pelo antissemitismo após a guerra árabe-israelense. Renunciou à sua nacionalidade polonesa, emigrou a Tel Aviv e se instalou, depois, na Universidade de Leeds (Inglaterra), onde desenvolveu a maior parte de sua carreira. Sua obra, que arranca nos anos 1960, foi reconhecida com prêmios como o Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades de 2010, que recebeu junto com Alain Touraine. 

Bauman é considerado um pessimista. Seu diagnóstico da realidade em seus últimos livros é sumamente crítico. Em A riqueza de poucos beneficia todos nós?, explica o alto preço que se paga hoje em dia pelo neoliberalismo triunfal dos anos 80 e a “trintena opulenta” que veio em seguida. Sua conclusão: a promessa de que a riqueza acumulada pelos que estão no topo chegaria aos que se encontram mais abaixo é uma grande mentira. Algo parecido com o tal "milagre brasileiro" dos anos 70, e vimos no que a bagunça deu. Em Cegueira moral, escrito junto com Leonidas Donskis, Bauman alerta sobre a perda do sentido de comunidade em um mundo individualista. Cada um cuidando do seu quadrado, vai ver onde dará a coisa...

Bauman vê nossa realidade com seus óculos críticos e ao mesmo tempo de certa tristeza pairando no ar. Para o mestre, o que está acontecendo agora, o que podemos chamar de "crise da democracia", é a crise e colapso da confiança. A crença de que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, mas também incapazes. Que o digam Trump e outros... Para atuar, é necessário poder: ser capaz de fazer coisas; e política: a habilidade de decidir quais são as coisas que têm ser feitas. A questão é que esse casamento entre poder e política nas mãos do Estado-nação acabou. O poder, conforme Bauman, se globalizou, mas as políticas são tão locais quanto antes. A política assim tem as mãos cortadas. As pessoas já não acreditam no sistema democrático porque ele não cumpre suas promessas, o que pode ser visto nas eleições que tivemos recentemente. É o que também está evidenciando a crise de migração. O fenômeno é global, mas atuamos em termos paroquianos. As instituições democráticas não foram estruturadas para conduzir situações de interdependência. A crise contemporânea da democracia é uma crise das instituições democráticas.

Em meados dos anos 90, Bauman começou a explorar as questões da pós-modernidade e do consumismo. Ele postulou que uma mudança tinha ocorrido na sociedade moderna na segunda metade do século XX: passou de uma sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores. De acordo com Bauman, essa mudança reverteu o trade-off "moderno" de Freud, isto é, a segurança foi abandonada para gozar de mais liberdade, liberdade para comprar, consumir e aproveitar a vida. Em seus livros na década de 1990, Bauman escreveu sobre essa mudança como uma mudança da "modernidade" para a "pós-modernidade". Desde a virada do milênio, seus livros têm tentado evitar a confusão em torno do termo "pós-modernidade", usando as metáforas da modernidade "líquida" e "sólida".  

 Alguns dos pontos basilares de sua teoria com relação à modernidade líquida são: especulação sobre o medo e insegurança públicos, o consumismo, a fragmentação da experiência ética da alteridade, a instabilidade e obsolência dos relacionamentos humanos em todos os níveis, a fragmentação dos valores e a angústia e ansiedade do sujeito líquido, a identidade líquida. Assim, o sociólogo trata de questões as quais cerceiam a angústia das possibilidades, das escolhas e da falta de modelos a serem seguidos na modernidade líquida.

Sua análise acerca do projeto moderno expõe a promessa ao ser humano de um mundo mais seguro, de valores sólidos, como o milagre brasileiro já comentado, com base na utilização da razão e em valores humanísticos como substituição ao mundo medieval em crise. Todavia, esse projeto falhou ao desdobrar-se em cenários de grande instabilidade e na desfragmentação de valores tradicionais. Quem não lembra das derrocadas do milagre brasileiro, do plano cruzado e outros?

Naquele mundo de promessas de um projeto calcado na razão, temos o período denominado pelo pensador de modernidade sólida. O mundo contemporâneo é visto, nesse período de dissoluções, de perda de referências para o ser humano, o mundo no qual nada dura para sempre, no qual tudo é fluido e mutável como o estado líquido, é a modernidade líquida.

Assim, pode-se notar que a modernidade sólida tem início com as transformações clássicas e cuja perspectiva é de uma vida cultural e políticas estáveis. Esta foi precursora do processo de globalização, foi marcada pela racionalização da vida humana, pelos grandes avanços científico e tecnológicos e pelo surgimento das grandes fábricas.

A chamada "modernidade líquida" é nossa época, na qual tudo, inclusive as relações humanas, são voláteis e intangíveis, na qual vida em conjunto torna-se inconsistente. Deve-se ter em mente que a modernidade líquida é concebida por Bauman como uma nova etapa da modernidade, todavia, sem as ilusões e referências do projeto moderno de domínio da natureza para o uso do homem, o pleno desenvolvimento humano e das ciências pela razão. Além do que, com a falência desse projeto, a modernidade líquida surge como efeito do processo de desenvolvimento frenético, do imediatismo, do consumo voraz e da globalização.

Em seus livros sobre o consumismo moderno, Bauman ainda escreve sobre as mesmas incertezas que retratou em seus escritos sobre a modernidade "sólida"; Mas nesses livros ele escreve que esses medos são mais difusos e mais difíceis de identificar. Na verdade, eles são, para usar o título de um de seus livros, "medos líquidos" - ou seja, temores amorfos e sem um referente facilmente identificável.

No Brasil, sua obra foi amplamente publicada pela Editora Zahar. Seu último livro traduzido para português no país foi "A riqueza de poucos beneficia todos nós?", lançado em 2016. O último livro de Bauman publicado foi "Obcym u naszych drzwi", no qual ele discutiu a crise da imigração mundial e o "pânico moral" por ela causado. Casado com Janine Lewinson-Bauman desde a época do pós-guerra, Bauman deixa três filhas e uma legião de admiradores órfãos de seu saber.

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