Cotidiano (a bênção, Prof. Rene!)
O burburinho dificilmente fugia aos olhos de quem via a cena. Os
olhos com lágrimas, beirando a indagação e a frustração,
faiscavam no rosto do moleque. De suas roupas rotas e encardidas, as
moedas, ganhas no semáforo, tilintavam e caiam. O segurança não
quis saber. De uniforme impecável, ele, cujas mãos fortes torceram
o braço do piá, esbraveja:
- Ô, guri, o que você tem na mão? Mostra!
O menino, diante do ar de inquisidor, responde, apavorado,
- Seu guarda, só quero comprar uma bolacha! “Tô” com fome,
moço, o dinheiro é meu!
Em nada adiantara explicar que não roubava, roubara ou roubaria. A
pobreza o condenava, e seu algoz, fazendo a "segurança" do
mercado, o excluía dali. As bolachas, com as quais a fome seria
mitigada, esfarelam-se nas mãos fortes do guarda, dentro do pacote.
O suor escorria nervoso pela testa do guarda, na intensidade das
lágrimas do menino.
- Moço, não me bate! Eu não sou ladrão!
- Tá, guri, sai daqui, esse mercado não é para o teu bico! Passa!
A pouca distância, meninos de idade pouco mais avançada,
empacotando compras, escarneciam o deserdado da vida, como hienas
diante de uma carcaça de zebra abandonada por leões. O choro
copioso do menino segue como seu único companheiro pela rua.
Enquanto isso, numa televisão da loja, a propaganda eleitoral
desfiava o de sempre...
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