coragem!
Considerada a "profissão mais antiga do mundo" por alguns, a Prostituição é alvo de estigmatização, preconceito e muita hipocrisia por parte da sociedade. Basta lembrar que a expressão "filho/a da puta" é considerada ofensa das mais pesadas.
Pois a Monique Prada, presidente da CUTS (Central Única dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sexuais), escreveu uma carta de apoio à presidenta golpeada Dilma Roussef. O texto é emocionante e forte. Divido com vocês, a partir do que obtive do Pragmatismo Político (http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/05/prostituta-divulga-carta-aberta-a-dilma-rousseff.html).
Querida Presidenta:
(E escrevo ‘Presidenta’ bem assim, com ‘P’ maiúsculo e ‘a’ no
final, Presidenta. O som gostoso dessa palavra que nunca antes tínhamos
ouvido, porque nunca antes tivemos uma presidenta. O som lindo desta
palavra que, para nós, passa a existir a partir de ti – embora já
fizesse parte do vocabulário da língua portuguesa há décadas, nos era
desconhecida. O machismo velado e o desaforo vulgar, o despeito, no tom
de voz das pessoas que se negavam a usá-la. Presidenta. Talvez o maior
dos legados que tu tenhas nos deixado, querida Dilma, querida
Presidenta, seja mesmo este: nós, as mulheres deste país, hoje sabemos
que podemos. A minha filha cresceu com uma mulher na Presidência da
República, ela sabe que pode.)
Mas eu te escrevo de longe, eu te escrevo da margem. Aqui, onde
políticas públicas mal chegam que não sejam aquelas com o intuito de nos
salvar — justo a nós, que salvação outra não desejamos que não passe
por exercer nossa atividade em paz e protegidas por um modelo de
regulamentação que nos favoreça.
Eu te escrevo da margem pra te contar: nós, mulheres prostitutas –
marginalizadas e estigmatizadas por uma sociedade que não nos quer à
mesa ao mesmo tempo em que segue nos alimentando — nós, mulheres
trabalhadoras sexuais, também nos orgulhamos de nossa presidenta. Ainda
que nosso último grande avanço enquanto categoria tenha sido a inclusão
do trabalho sexual na CBO sob o número 5198/05 — e isso date de mais de
uma década atrás — ainda assim, tiveste nosso apoio.
Por muitas vezes sentamos juntas pra te ouvir falar,
compartilhamos entre nós as tuas palavras, torcemos juntas por tua
vitória em 2010 e 2014. Estivemos nas ruas até aqui, e seguiremos nas
ruas enquanto for possível — dessa vez não a trabalho, mas em defesa de
direitos conquistados a duras penas. Nossas filhas e filhos, e algumas
de nós mesmas, já conseguem hoje cursar a universidade — sonho antes
distante para o povo aqui da margem. Já não se passa fome em nosso país,
e 12 anos de governo popular nos provaram que era possível sim ter
orgulho da nossa brasilidade. Há ainda muitos problemas, mas estávamos
indo no rumo certo.
No entanto, uma elite machista, racista e asquerosa foi
levantando sua voz. Hoje te condenam, e aos governos do PT, e não por
aquilo que nós possamos ter considerado errado neste período. Essa elite
raivosa babava e ainda baba pelos nossos acertos. Essa elite babava e
te ofendia.
Na imensa maioria das vezes nos deixavam muito acuadas, pois
dentre essas violentas ofensas, usavam aquilo que para nós é ao mesmo
tempo ofensa e ofício: te chamavam de prostituta, em suas centenas de
variações semânticas. O mais torpe refúgio dos canalhas e covardes é
este: agredir uma mulher utilizando-se de sua sexualidade.
Não importa quem seja ela ou o que tenha feito para isso,
verdadeiramente não importa: seu grande crime é ter nascido mulher, e
sua sexualidade deve ser atacada para humilhá-la. É a força do estigma
sendo usada como potente fator de manutenção do sistema patriarcal: “não
se porte como prostituta ou será tratada como uma”. No entanto, não nos
é claro como seria este comportamento — de modo que todas, todas nós,
todas as mulheres, estamos sujeitas a este tipo de tratamento. Vil.
Indecoroso. Violento.
Tens sido vítima diariamente e há tempos de muitas injustiças e
graves agressões. E nós nos solidarizamos, e a cada dia nos fazemos mais
orgulhosas de ti, por que tens suportado a tudo, forte e altiva — como
uma de nós.
Nos tempos assustadores que temos vivido, querida Dilma, e na
noite sombria que parece não tardar a cair sobre nosso país, temos
achado importante te dizer e repetir: também nós nos orgulhamos de ti.
Da tua postura. Da tua serenidade diante ‘disso tudo’, serenidade que
muitos homens não teriam. Tens sido ao mesmo passo inspiração e
fortaleza. Da tua honestidade e franqueza também nós nos orgulhamos.
E asseguramos: estaremos juntas, haja o que houver. A luta pela
democracia, a luta contra os retrocessos que ameaçam, é também uma luta
nossa. Não desistiremos.
* Monique Prada é trabalhadora sexual,
Co-editora do projeto mundoInvisivel.org e presidenta da CUTS (Central
Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais)
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