biomembranas

visão esquemática da célula e suas organelas.
 
2.1. Composição das Biomembranas

A vida da célula, e, por consequência, de todos os organismos, depende da manutenção dos processos metabólicos e da disponibilidade de energia, elementos químicos essenciais e alimentos. Para gerar as condições microambientais favoráveis, as membranas biológicas atuam, gerando as plenas condições de sobrevivência da célula, isolando e ao mesmo tempo permitindo a interação com o meio.

As membranas têm composição prevalentemente fosfolipídica, formando uma capa dupla, ou bicapa. Entre os fosfolipídios encontrados na membrana, estão: fosfatidilcolina, fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina. Em bainhas mielínicas de neurônios ocorre ainda a esfingomielina.

Os fosfolipídios apresentam porções hidrofílicas e hidrofóbicas, que fazem com que haja uma disposição em bicapa, isolando os radicais ácidos graxos, mais hidrofóbicos, e projetando para as faces protoplasmática e extracelular a fração hidrofílica (radicais fosfato).

A bicapa apresenta proteínas associadas, de forma integral ou ligadas a partir de radicais hidrofóbicos que ligam aos lipídios. As particularidades irão determinar, entre outras atividades, o transporte seletivo de materiais, com ou sem demanda energética. Também ocorrem carboidratos associados aos lipídios e proteínas, realizando importantes funções à célula.

As membranas celulares são estruturas dinâmicas. Devido a sua composição fosfolipídica, apresentam-se fluidas. Dessa maneira, a maior parte de suas moléculas são capazes de mover-se no plano da membrana. As moléculas individuais de lipídios são capazes de difundirem-se rapidamente dentro de sua própria monocamada e, embora raramente, podem saltar de uma monocamada para outra (flip-flop). Os fosfolipídios são arranjados como uma dupla camada contínua, com cerca de 5nm de espessura. Isso significa que não a visualizamos pelo microscópio de luz, portanto. Essa bicamada lipídica fornece a estrutura básica da membrana e atua como uma barreira impermeável à passagem da maioria das moléculas hidrossolúveis.

A molécula de fosfolipídio possui uma característica bioquímica essencial para formar a bicamada estável, ainda que fluida. Ela possui, como falamos anteriormente, uma região hidrofílica, onde está o radical fosfato, muitas vezes denominada como “cabeça”, e duas caudas hidrofóbicas, formadas pelas cadeias de ácidos graxos. Enquanto que a região hidrofílica interage bem com a água, altamente abundante nos meios intra e extracelular, a região hidrofóbica busca “esconder-se” da água. A intenção natural desta molécula anfipática, ou seja, composta por regiões hidrofóbica e hidrofílica, de atingir um estado que seja energeticamente estável e termodinamicamente favorável, faz com que elas arranjem-se na forma de uma bicamada. A estabilidade é, então, dada pela necessidade do próprio lipídio em manter suas regiões hidrofílica e hidrofóbica em posições adequadas em relação à água. Desta forma, se a bicapa sofre um dano, onde algumas moléculas são removidas, sua tendência natural é a de se regenerar.

Os lipídios distribuem-se assimetricamente nas duas monocamadas lipídicas e, como comentamos, estão em constante movimentação. Eles movem-se ao longo do seu próprio eixo, num movimento chamado rotacional e movem-se lateralmente ao longo da extensão da camada. Estes dois movimentos não representam qualquer alteração à termodinâmica natural da membrana e, portanto, ocorrem constantemente. O movimento chamado flip-flop, consiste na mudança de um lipídio de uma monocamada para a outra. É menos frequente, pois envolve a passagem da cabeça polar (hidrofílica) dentro da região apolar (hidrofóbica) da bicamada. Este movimento é catalisado por uma enzima, a flipase.

Os glicolipídios, ou seja, os lipídios conjugados com cadeias de carboidratos, são encontrados na face voltada ao meio extracelular da bicamada lipídica. Na membrana plasmática os carboidratos expostos na superfície celular formam o glicocálice, fundamental para várias funções da vida da célula, incluindo o reconhecimento celular e a digestão de alguns compostos (entre eles a lactose, nas células intestinais).

As membranas plasmáticas de eucariotos contêm quantidades particularmente expressivas de colesterol. As moléculas de colesterol aumentam as propriedades de barreira da bicamada lipídica e, devido as seus rígidos anéis planos, diminuem a mobilidade e tornam a bicamada lipídica menos fluidas.

Enquanto a bicamada lipídica determina a estrutura básica das membranas biológicas, as proteínas são responsáveis pela maioria das funções da membrana, atuando como receptores específicos, enzimas, proteínas transportadoras, entre outras funções. Se os lipídios são os componentes mais expressivos em termos de estrutura de membrana e quantidade de moléculas, as proteínas o são em termos de funções. Considerando-se sua interação com a bicamada lipídica, as proteínas podem ser classificadas como: ancoradas, periféricas ou transmembrana (integrais). Proteínas também possuem características estruturais que as permitem interagir com a bicamada lipídica: algumas delas possuem regiões ricas em aminoácidos com radicais polares e radicais apolares. Assim, são anfipáticas. Nas proteínas transmembrana, a cadeia polipeptídica cruza a bicamada como uma alfa-hélice única (proteína unipasso); em outras, inclusive naquelas responsáveis pelo transporte transmembrana de íons e pequenas moléculas hidrossolúveis, a camada polipeptídica cruza a bicamada múltiplas vezes, seja como uma série de alfa-hélices, seja como uma folha beta na forma de um barril fechado (proteína multipasso). Outras proteínas associadas a membrana não cruzam a bicamada, mas ao contrário são presas a um ou ao outro lado da membrana.

Inúmeras funções são desempenhadas pelas proteínas de membrana: elas comunicam célula e meio extracelular, servem como poros e canais, controlam o transporte iônico, transportam materiais, realizam atividade enzimática e ainda podem ser antigênicas, elicitando respostas imunes.

Como as moléculas lipídicas na bicapa, muitas proteínas da membrana são capazes de difundir-se rapidamente no plano da membrana. Por outro lado, as células têm mecanismos para imobilizar proteínas específicas da membrana e para confinar moléculas lipídicas e proteicas a domínios específicos. Esta função é muito importante para o funcionamento de muitos tecidos, como o epitélio do intestino delgado e dos túbulos renais.

O termo glicocálice é utilizado para descrever a cobertura rica em carboidratos da superfície celular externa. Esses carboidratos ocorrem como cadeias de oligossacarídeos ligadas a proteínas da membrana (glicoproteínas) e lipídios (glicolipídios). As cadeias laterais de oligossacarídeos são extremamente diversificadas no arranjo de seus açúcares.

O glicocálice desempenha inúmeras funções e elas refletem, na verdade, funções desempenhadas por seus componentes. Essa cobertura de carboidratos ajuda a proteger a superfície celular de lesões mecânicas e químicas. Alguns oligossacarídeos específicos funcionam como intermediários em diversos processos transitórios de adesão célula-célula, inclusive aqueles que ocorrem em interações espermatozóide-óvulo, coagulação e aglutinação (tipagem) sangüínea, e recirculação de linfócitos em respostas inflamatórias (homing). Também são exemplos de funções atribuídas ao glicocálice a inibição do crescimento celular por contato. Se tais proteínas forem perdidas ou modificadas, como acontece em alguns tumores malignos, mesmo o glicocálice ainda existindo, esta função será comprometida. A enzima lactase e outras dissacaridases estão presentes no glicocálice de células intestinais, os enterócitos, do epitélio do duodeno, jejuno e íleo. Alterações no glicocálice dessas células levam à intolerância à lactose, desencadeando diarreias frequentes e outros problemas associados.

A membrana plasmática cumpre uma vasta gama de funções. A primeira, do ponto de vista da própria célula é que ela dá individualidade a cada célula, definindo meios intra e extracelular. Ela forma ambientes únicos e especializados, cuja composição e concentração molecular são consequência de sua permeabilidade seletiva e dos diversos meios de comunicação com o meio extracelular. Além de delimitar o ambiente celular, compartimentalizando moléculas, a membrana plasmática representa o primeiro elo de contato entre os meios intra e extracelular, transduzindo informações para o interior da célula e permitindo que ela responda a estímulos externos que podem, inclusive, influenciar no cumprimento de suas funções biológicas. Também nas interações célula-célula e célula-matriz extracelular a membrana plasmática participa de forma decisiva. É, por exemplo, através de componentes da membrana que células semelhantes podem se reconhecer para, agrupando-se, formar os tecidos.

A manutenção da individualidade celular, assim como o bom desempenho das outras funções da membrana, requer uma combinação particular de características estruturais da membrana plasmática: ao mesmo tempo em que a membrana precisa formar um limite “estável”, ela precisa também ser dinâmica e flexível. A combinação destas características é possível devido à sua composição química.

A fluidez da membrana é controlada por diversos fatores físicos e químicos. A temperatura influencia na fluidez: quanto mais alta ou baixa, mais ou menos fluida será a membrana, respectivamente. O número de duplas ligações nas caudas hidrofóbicas dos lipídios também influencia a fluidez: quanto maior o número de insaturações, mais fluida a membrana pois menor será a possibilidade de interação entre moléculas vizinhas. Também a concentração de colesterol influencia na fluidez: quanto mais colesterol, menos fluida. O colesterol, por ser menor e mais rígido, interage mais fortemente com os lipídios adjacentes, diminuindo sua capacidade de movimentação.

Transporte através da membrana

Como parte da função da membrana, uma das mais importantes é o transporte de substâncias do meio externo para a célula, e vice-versa. Como a célula delimita o meio intra e extracelular, é necessário que formas de transporte e de comunicação sejam constantemente estabelecidas com o meio. Os transportes podem ou não envolver gasto de energia, sendo classificados, a grosso modo, como ativo ou passivo, respectivamente. Exemplos de transporte passivo são as difusões simples e facilitada. As bombas de íons são exemplos de transportes ativos. A permeabilidade de bicamadas lipídicas para uma determinada substância depende em parte do seu tamanho e principalmente de sua solubilidade relativa em lipídios. Em geral, quanto menor a molécula e quanto mais solúvel ela for em lipídios (isto é, quanto mais hidrofóbica, ou não polar ela for) mais rapidamente ela se difundirá através de uma bicamada.

Moléculas não-polares pequenas, tais como o oxigênio (32 daltons) e o gás carbônico (44 daltons), facilmente se dissolvem em bicamadas lipídicas e, portanto, difundem-se rapidamente através delas. Moléculas polares sem carga também difundem-se rapidamente atavés de uma bicamada se forem o suficientemente pequenas. O etanol (46 daltons), e a ureia (60 daltons), por exemplo, passam rapidamente, o glicerol (92 daltons) difunde-se menos rapidamente, e a glicose (180 daltons), praticamente não difunde-se.

As bicamadas lipídicas são altamente impermeáveis moléculas carregadas (íons), não importa o quão pequenas: a carga e o alto grau de hidratação de tais moléculas impede-as de entrar a fase hidrocarboneto da bicamada.

À semelhança das bicamada lipídicas sintéticas, as membranas celulares permitem a passagem de moléculas não polares por simples difusão, também devem permitir a passagem de várias moléculas polares, tais como íons, açúcares, aminoácidos, nucleotídeos e muitos metabólitos celulares. Proteínas especiais na membrana são responsáveis pela transferência de tais solutos através das membranas celulares. Estas proteínas, denominadas proteínas transportadoras da membrana, existem em muitas formas e em todos os tipos de membranas biológicas. Cada proteína tem sua especificidade e transporta uma classe particular de moléculas e frequentemente apenas uma determinada espécie molecular de uma classe.

Existem duas classes principais de proteínas transportadora de membrana: as proteínas carreadoras ligam um soluto específico a ser transportado, e sofrem uma série de mudanças conformacionais, de modo a transferir, através da membrana, o soluto a elas ligado. As proteínas-canal, por outro lado, não necessitam ligar o soluto. Ao contrário, elas formam poros hidrofílicos que se estendem através da bicamada lipídica. Quando esses poros estão abertos, eles permitem que solutos específicos (geralmente íons inorgânicos do tamanho e da carga apropriados) passem através deles e, portanto, cruzem a membrana. Como é de se esperar, o transporte através de proteínas-canal ocorre a uma velocidade muito maior do que o transporte mediado por proteínas carreadoras.

Um exemplo de canal cuja estrutura e função está sendo aos poucos desvendada é a aquaporina, cuja descoberta, em 1992, rendeu a Peter Agre o Prêmio Nobel de Química, em 2003. Até então, era visão corrente que a água passava livremente pela bicapa. Hoje, sabemos que há muitas variedades de aquaporinas, atuando como canais de entrada e saída de água na célula. A presença da aquaporina nas membranas ajuda a entender, por exemplo, como o rim atua na recuperação de água da urina.

Os canais são proteínas específicas, especializadas em controlar a entrada e saída de água e de íons de cálcio, potássio, sódio e cloro das células de todos os seres vivos. Falhas nos genes que codificam essas proteínas podem causar doenças. Canais de cloreto, na fibrose cística, (doença em que as células, do pulmão, por exemplo, não conseguem eliminar o muco que se acumula, provocando seguidas infecções e a morte), apresentam-se malformados, sendo descartados ainda na formação no retículo rugoso, e desencadeando todo um quadro patológico bastante complexo. Quando os canais das células renais não funcionam bem, o resultado pode ser a diabetes insipidus. Outras patologias também estão associadas a problemas em canais e carreadores. Várias desordens tubulares renais estão associadas a malformações de canais de cloreto, assim como a miotonia congênica. A epilepsia neonatal benigna está associada a alterações nos canais de potássio.

Todas as proteínas canal e muitas proteínas carreadoras permitem os solutos cruzarem a membrana apenas passivamente num processo denominado transporte passivo ou difusão facilitada. A diferença de concentração e o gradiente elétrico entre os dois lados da membrana (o seu gradiente eletroquímico) é que impulsiona o transporte passivo e determina a sua direção.

As células também necessitam de proteínas que ativamente bombeiem certos solutos através da membrana contra seus gradientes eletroquímicos. Esse processo, conhecido como transporte ativo é sempre mediado por proteínas carreadoras. No transporte ativo, proteínas carreadoras podem agir como bombas para transportar um soluto contra o seu gradiente eletroquímico, usando energia fornecida pela hidrólise de ATP.

A energia livre liberada durante o movimento de um íon inorgânico a favor de seu gradiente eletroquímico é usada como a fonte de energia para bombear outros solutos contra seus gradientes eletroquímicos. Assim, essas proteínas funcionam como transportadores acoplados - algumas como simportadores outras como antiportadores.

Na membrana plasmática de células animais, o sódio é o íon usualmente co-transportado. Um exemplo claro é a entrada de glicose no tubo digestório, a qual entra acoplada ao íon. Seu gradiente eletroquímico fornece a força impulsora para o transporte ativo de uma segunda molécula. O sódio que entra na célula durante o transporte é subsequentemente bombeado para fora pela sódio-potássio ATPase (bomba de sódio e potássio), a qual, por manter o gradiente de sódio, indiretamente fornece energia para o transporte. Por essa razão diz-se que os carreadores impulsionados por íons são mediadores do transporte ativo secundário, enquanto as ATPases transportadoras medeiam o transporte ativo primário. Desta maneira, o transporte por proteínas carreadoras pode ser ativo ou passivo enquanto o transporte por proteínas-canal é sempre passivo.

A clonagem da sequência de DNA codificadora dessas proteínas e os estudos de sequenciamento mostraram que as proteínas carreadoras pertencem a um pequeno número de famílias, cada uma das quais compreende proteínas com sequências similares de aminoácidos e que se supõem terem evoluído de uma proteína ancestral comum atuarem por um mecanismo similar. A família de ATPases transportadoras de cátions, a qual incluem a bomba de sódio e potássio, é um exemplo importante. Cada uma dessas ATPases contêm uma subunidade catalítica grande, que é sequencialmente fosforilada e desfosforilada durante o ciclo de bombeamento. A superfamília de transportadores ABC é particularmente importante do ponto de vista clínico: ela inclui proteínas que são responsáveis pela fibrose cística, bem como pela resistência a drogas em células cancerosas e em parasitas causadores de malária.

visão esquemática da membrana plasmática. Notar a presença de proteínas integrais, periféricas, filamentos do citoesqueleto aderidos à face interna, o glicocálice na face externa. A composição da membrana é lipoprotéicam, contendo fosfolipídios ("bolinhas com duas perninhas") e colesterol.

tipos de transportadores na membrana plasmática

o transporte do colesterol é exemplo de como funciona a endocitose. A ausência dos receptores de LDL impede a absorção do mesmo pelas células, levando à hipercolesterolemia.

eletromicrografia de varredura, mostrando macrófago devorando protozoários, via fagocitose.

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