tá ficando previsível demais...

Quinta-feira ligo para a colega e cúmplice de laboratório Milene Pinto, avisando que teríamos uma tarefa de novo: processar histologicamente tecidos de peixes vitimados por mais uma tragédia no Rio dos Sinos. Ela falou: "de novo???". De novo...

Pros que não o conhecem, é um rio muito tortuoso, pouco profundo, que corta uma região de indústrias,densa ocupação humana e industrialização pautada pelo eixo couro-calçado. O saco é que é receptáculo de esgotos, efluentes, fonte de água para pessoas e lavouras...um verdadeiro saco de pancadas ambiental.

Ano passado, já havíamos detectado indícios de severo impacto ambiental possivelmente ligado a uma taipa de lavoura rompida, arrastando herbicidas e outros venenos pro rio. Deu o que deu, peixes mortos, pessoas pobres recolhendo pexes moribundos para ter proteína animal na panela (!), jogo de empurra de explicações, e técnicos ambientais se debruçando sobre resultados claros demais para serem aceitos pelos culpados...Parece que tocamos em feridões pesados. O parceiro, compadre e amigo Julio Dorneles que o diga...demos algum chá de explicação para Deus, mídia e o mundo, diante de pessoas atônitas com as imagens de peixes mortos ou agonizantes num rio cada vez mais pobre de água.

Esse mesmo rio está hoje com uma lâmina de água cada vez mais baixa. Me enlouquece nessas épocas ver vazamentos de água, gente lavando calçadas e outros monumentos à falta de noção humana. Pelo que soubemos, a lâmina d'água do velho Sinos está cada vez mais baixa, e a culpa não é do tórrido sol de final de novembro...certamente a água que deveria dessedentar pessoas e bichos, servir de morada de peixes e  de histórias, estaria sendo desviada para as várzeas de arroz, para manter as lavouras aguadas.

Água é vida, somos 70% água. Os peixes, nesta época do ano, sobem o Sinos para desovar nas áreas oxigenadas do Caraá, renovando a vida do rio. Ocorre que, com a pouca água, o pouco oxigênio e o muito poluente, seja do tão propalado esgoto doméstico, ou os derramamentos de empresas irresponsáveis ou de lavouras despejando os venenos do agronegócio ao rio, centenas de peixes acabam morrendo, tentando sobreviver boqueando na superfície de um rio sufocante. A foto ilustra uma fêmea de grumatã, peixe comum no Sinos, que estava ovada, com os ovários repletos de ovas, que, se encontrassem os espermatozóides de outro peixe de sua espécie, certamente gerariam uma infinidade de alevinos, que nutririam a cadeia alimentar e, com sorte, virariam peixes adultos, reproduzindo no velho Sinos. Isso não irá acontecer. Afinal, é mais importante que as lavouras do agronegócio tenham água para usar e sujar, do que o repovoamento do Sinos. É melhor o lucro de poucos, do que o pescado saudável na mesa de pobres ribeirinhos.É melhor a falta de vergonha na cara de uns do que a indignação de muitos.

Quem sabe um dia a minha colega Milene não precisará dizer "de novo" quando chegar o fim de novembro, o calor, a pouca água e os muitos peixes mortos...?

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