Reações à Intervenção na FATEO - Marcelo Carneiro


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A (des)educação teológica na Igreja Metodista brasileira
Marcelo da Silva Carneiro[1]
A busca por uma igreja voltada para os dados numéricos em vez do conteúdo doutrinário começa a mostrar sua face mais perversa: a sistemática aniquilação dos projetos de teologia metodista brasileiros. Essa afirmação pode ser considerada radical e pessimista, e muitos dirão que não tenho base para provar isso. Realmente não tenho, porque nos últimos tempos tenho acompanhado esse processo apenas por ouvir falar, mas até o ano passado estava envolvido em duas instituições de peso na formação teológica dos pastores e pastoras metodistas, o Instituto Metodista Bennett (RJ) e a FATEO na Universidade Metodista de São Paulo, em Rudge Ramos.

O que tenho visto e que me deixa alarmado atualmente? Vamos analisar alguns fatos: (1) o Instituto Metodista Bennett foi fechado, e com ele a Faculdade de Teologia do Rio de Janeiro. Um seminário será criado no Rio para ajudar a formar pastoras e pastores, e sendo regional, seguirá o programa de discipulado da Região; (2) professores da FATEO-SP estão sendo afastados, com a justificativa da aposentadoria compulsória (70 anos) ou dos 12 anos em instituição. Fato é que os professores afastados têm uma trajetória de questionar práticas da Igreja que nada têm a ver com a tradição metodista, ou são considerados “racionais” demais; (3) Na Região Amazônica, seminaristas estão sendo afastados, sob alegação de que não estão na “visão” da nova administração regional. Nesse caso, são pessoas que estão estudando em SP, justamente na FATEO; (4) Seminaristas oriundos do Rio de Janeiro, mas que demonstraram em seus estudos uma postura crítica, não conseguiram nomeação na região de origem, e acabaram buscando espaço em outras regiões. (5) E para completar o quadro, a busca obsessiva por números na Igreja Metodista tem permitido práticas bizarras e completamente nocivas às comunidades, fomentando o autoritarismo pastoral, a segregação entre membros, à “espiritualização” dos cargos, afastando pessoas e esvaziando os púlpitos da sã doutrina.

A verdade é que os acontecimentos atuais devem ser vistos à luz da história recente do metodismo brasileiro. Desde que as instituições teológicas foram criadas, houve na Igreja Metodista dois movimentos em relação a elas: aquele que fomentou uma análise crítica da missão da Igreja, permitindo-se dialogar com outras confissões cristãs e vertentes teológicas, primando por uma postura ecumênica e racional; e outro que julgava mais importante a prática pastoral sem uma reflexão crítica, porque considera que a teologia “mata” a ação do Espírito Santo.

Esse processo de antagonismo recrudesceu nos anos 1970-80, quando a ala da Igreja que pendia para uma concepção mais elabora teologicamente foi identificada como “progressista”, e a outra, menos envolvida com a teologia e mais com um pragmatismo pastoral foi denominada “carismática”. A primeira, engajada politicamente, identificava-se com a esquerda; a outra, mesmo tendo simpatizantes da esquerda, posicionava-se pragmaticamente a favor de quem está no poder. Entretanto, havia possibilidade de ambos trabalharem: enquanto uma desenvolvia programas ecumênicos e teologicamente elaborados, e em suas igrejas a liturgia mantinha a tradição dos hinos e corais, a outra investia em retiros espirituais, encontros de avivamento (os ENAVI), e uma liturgia menos formal, com cânticos e sem roteiro escrito.

Assim foi até o fatídico ano de 2006, quando o 18º Concílio Geral da Igreja Metodista se reuniu e numa sessão dolorosa e confusa, que entrou madrugada adentro, aprovou a saída da Igreja Metodista de organismos ecumênicos. Com isso, as pessoas envolvidas em projetos ecumênicos foram afastadas, ou afastaram-se desses projetos, ou continuaram e foram marginalizadas na igreja onde aprenderam a viver ecumenicamente. Com a eleição de dois bispos alinhados com os “carismáticos”, a partir daí o projeto de uma Igreja voltada para os números ganhou corpo e poder político. Do Colégio Episcopal mais antigo apenas dois se mantiveram, sendo que um foi aposentado neste último geral, e o outro sempre deveu aos “carismáticos” sua eleição, portanto, politicamente não representava oposição à nova onda.

Com o programa de “discipulado”, que na verdade se mostrou um sistema de multiplicação de membros, baseado em projetos como as igrejas de células e o famigerado “G-12”, o metodismo brasileiro entrou de vez num projeto pragmático de crescimento, pouco preocupado numa análise social e política da realidade, a partir de uma teologia reflexiva e contextualizada. Mas havia uma pedra no caminho: as instituições teológicas, com seus professores engajados, e seus programas que refletem a vocação do metodismo histórico de pregar o Evangelho sem perder de vista as condições concretas de vida. Em seu contato com os alunos e alunas, faziam com que estes avaliassem criticamente as práticas da Igreja, ampliavam o conceito de missão e provocavam a disposição para pensar de maneira mais ampla na sociedade, em vez de apenas no espiritual.

Com isso em mente, não é de se estranhar as ações do governo da Igreja para limitar e esvaziar o papel das instituições teológicas na formação de pastoras e pastores. Pode ser que a situação não esteja ainda irremediavelmente perdida, mas o fato é que os últimos acontecimentos parecem ser a ponta do iceberg. Espero estar equivocado em minha análise, mas o cenário global da Igreja Metodista no Brasil não me ajuda a pensar diferente. Em breve, a formação dos pastores e pastoras será apenas um programa de passos para criar grupos de “discipulado”, cujo conteúdo será basicamente: “como conquistar uma cidade”, “expulsando os demônios territoriais”, “praticando uma vida vitoriosa”, e temas semelhantes. O tempo dirá.





[1] Téologo Metodista.

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